Introdução

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O que amamos sempre terá o poder de nos destruir "


GRACE ORION

Lendas são verdadeiras, é o que o povo do Vale das Cinzas sempre soube.

Antes, uma barreira separava os humanos das criaturas da Floresta das Labaredas, mas agora estes seres descobriram um meio de atravessa-la. E eu não sabia o que esperar do futuro.

Tremi contra o vento marítimo que batia em meu rosto, o navio onde meus pés estavam, rumando pra casa.

Se é que posso chamar o Vale das Cinzas dessa forma.

Fui tirada de meus devaneios com o barulho desagradável de vômito.

Me voltei para Damian, ajoelhado com a cabeça enfiada em um balde. Extremamente mareado.

— Não devia ter saído da cama. — Falei a ele.

Não foram dias muito fáceis. Ele estava um tanto amarelo.

— Damian, você comeu todo o gengibre que te dei? — Perguntei me aproximando dele, preocupada. Aquele balde se tornou seu maior companheiro, pois como ele estava fraco sequer conseguia ficar muito tempo na forma de espírito de fogo para evitar a ondulação do navio.

Ele ergueu o rosto pra mim.

— Tudo o que comi neste navio foi gengibre. Por três dias seguidos. — Disse pausadamente, infeliz, com a feição nauseada.

— Eu sinto muito. — Murmurei, droga, não havia nada que eu pudesse fazer para ajudar.

— Eu vou ficar bem. Só vou jogar isso fora. — Murmurou balançando o balde fingindo estar melhor do que realmente estava.

Ele fez uma careta, levando o balde para os tanques d'água para lavar.

Anui, nada saiu como o esperado mesmo.

Não retornamos a Paris, não houve muito tempo desde então, o pedido de Ramona, para Mãe Freyja foi muito claro.

"Eles devem retornar agora, com ou sem as crianças. A floresta precisa deles".

Quando acordei da cerimônia, todas as nossas coisas já estavam prontas para que partissemos.

Eu dormir por três dias seguidos depois da cerimônia, não tive transe ou qualquer efeito colateral além desses... Nada mudou. Nada mesmo.

Eu era a mesma Grace.

Me perguntei seguidas vezes se a cerimônia não havia falhado, ou se o livro de Astrid Alcaan, ou mãe Freyja tinha se enganado. E eu não fosse uma bruxa branca. "Esse não é o tipo de coisa que nós enganamos, Grace" foi o que a anciã me disse em resposta.

Eu estava sendo impaciente, segundo todos, pois não é do dia para noite, que meus poderes iriam se manifestar.

Mas Eric, meu melhor amigo que após a cerimônia andava entendendo o que criaturas marítimas falam e até conseguiu curar um arranhão de prego em Braeden, simplesmente a tocando.

Sim, ele tentou com Damian há dois dias. Terminou com Eric precisando se trocar sua camisa cheia de vômito.

Acho que o único aproveitando a viagem era Kristiansen, o garotinho ficava correndo todo o navio com uma pequena espada de madeira na mão e um gorrinho verde na cabeça, o apelidaram de "Peter Pan".

E deixava todos nós loucos atrás dele.

Foi um dia difícil, o de partir, o choro de Makenna simplesmente não querendo aceitar entregar as crianças, sendo necessária a intervenção de Mãe Freyja e Mestre Asriel para que ela não nos atacasse.

Respirei fundo, havia um misto de tédio em mim, e também de agonia.

Não sabíamos por que Ramona pediu para que retornassemos com urgência para o Vale das Cinzas. Nenhum de nós sabia, e Braeden ou Chiara não conseguiam se comunicar com ela.

Caminhei em direção a Eric, meu melhor amigo, o vendo perto da proa, observando o mar, completamente preso em pensamentos. Era curioso como todos nós estávamos perdidos em nós mesmos nos últimos dias.

— Conversando com alguma sereia? — Perguntei chamando sua atenção, ele estava de costas para mim.

— Com uma baleia. — Brincou, sorrindo. — E Damian? — Questionou.

— Mal. — Respondi torcendo os lábios. Eu queria poder ajuda-lo com o enjôo, mas não sabia como. — Não tem nada a ser feito?

— Eu tentei tudo o que sei. Parece que com ele é mais forte que o normal. É como se tanto tempo na água... Fogo, sabe? O faz definhar.

Assenti. Céus!

— Chegamos amanhã de manhã. — Ele prosseguiu. — Ele vai ficar bem. — Garantiu.

— E você, como está? — Perguntei a ele.

— Eu não sei, Grace. Digo, o que eu vou fazer com isso? O que mais tenho a descobrir sobre ser um encantor? Como irei usar isso? Esse dom ou missão? — Perguntou, acho que nunca estivemos tão perdidos.

— Não sei. Não sei de nada, na verdade. — Murmurei.

Ele olhou para o céu do sul francês. Tão azul.

— A gente vai descobrir. — Disse enquanto eu me apoiava na proa ao seu lado. Ficamos ambos em silêncio, olhando para o mar, sabe se lá por quantos minutos. Era isso que fazíamos para matar o tédio.

Eu tinha pedido minha pequena bolsa com livros na estação. Só havia os livros de medicina de Eric para ler e eu não sei se eu gostava deles.

Certo, eu não gostava deles.

— Vocês tem mais gengibre?  — Ouvimos Damian dizer enquanto se aproximava.

Eric soltou uma risadinha involuntária.

— Damian, você comeu todo o gengibre do navio. — Eric observou, enquanto Damian se apoiava ao meu lado. Sua boca cheirava a água de hortelã, ele também era a criatura que mais escovava os dentes naquele navio.

— Não parece o suficiente. — Resmungou.

— O meu acabou. — Falei, enquanto Damian de forma involuntária levava  sua mão de encontro a minha, entrelaçando nossos dedos, e eu notei o olhar de Eric sobre elas. Ele sorriu com os olhos para o movimento, lhe dando ruguinhas.

E eu encaixei nossos dedos, encostando a cabeça levemente em seu ombro quente. Ele estava mais quente do que o normal (para ele), inclusive.

— Eu tenho um pedacinho de gengibre. É minúsculo. Te darei depois do jantar e você terá de aguentar até amanhã. —Eric se deu por vencido, e deixou claro ao senhor mal humor que o fuzilou com os olhos acima da minha cabeça. É, eu não precisava ver o rosto de Damian pra saber o que ele fazia.

— E como vou passar os outros dias?

— Chegamos amanhã de manhã no Vale das Cinzas. — O lembrei.

— Parece tempo demais.

— Na verdade, por mim nós nunca voltaríamos. — Eric murmurou apático.

E tanto eu quanto Damian, nos sentiamos assim.

Com a sensação de que o pior estava por vir.

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Olá pessoas, já estava com saudades de vocês e das criaturas do Vale das Cinzas... E tem tanto por vir, espero ter vocês ao meu lado.

As postagens vão ocorrer todo fim de semana... (é quando eu tenho um tempinho pra escrever), fechamos assim?

Por agora é isso.

beijos

- cris

O que flui sob nós | LIVRO IIOnde as histórias ganham vida. Descobre agora