Cinquenta - De saco cheio

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Lauren

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Vez ou outra os hormônios faziam Daniel ficar chata como uma mulher de TPM. Sendo uma mulher com TPM, posso dizer que entendo de TPM. A gente em grande parte sente que está sendo insuportável, só não tem como evitar.

Dan era assim. Tendia por ficar resmungona e não se aguentava.

- Fala sério! - ela reclamou sem contexto algum.

- Daniel, do que você tanto reclama? - perguntei logo.

Camila ergueu os olhos para a interação. Era outra que estava de mau humor. Ficou com raiva porque apostamos quem era a favorita da bigulinha através de seus chutes e eu havia ganhado. Tinha sido uma forma de nos adaptarmos ao fato de que seríamos vovós em muito pouco tempo, mas infelizmente para Camila, eu era a maior vencedora dessa casa.

O caso Oli-e-Via não contava de acordo com meus critérios, outra coisa que deixava Camila emburrada. Mas o que eu posso fazer se tudo tinha sido algo incontrolável? Eles estavam tentando evitar numa boa, então eu estava correta.

- Eu não aguento mais! - Dan reclamou - estou de saco cheio!

- De saco cheio de que dessa vez?

Ela fungou.

- De tudo. Falta tão pouco, por que eu não posso....?

- Porque não - Camila e eu dissemos juntas e eu completei - dezessete não é dezoito. Não é apenas ter uma idade e aí pronto, passar a faca e arrancar fora.

- Se fosse eu já teria dado um jeito de fazer artesanalmente - Camila disse secamente.

- Tem sua saúde no meio disso, Daniel. Sua mente, seu corpo em geral. Não vai ser chegando aos dezoito e já marcando a cirurgia. Se aquiete. Sua hora vai chegar.

- Mamãe, eu estou com fogo de trinta e um jovens que decidiram esperar - ela reclamou e eu ri, ao contrário de Camila, que fez uma careta - não aguento mais.

Mordi o lábio, pensando. Não sabia bem como agir. Quem sentia as coisas era Dan, não eu. Disforia só é compreendida de verdade por quem sente, ainda assim, eu queria que ela considerasse se permitir naquele corpo atual e se aceitasse um pouco.

Mas eu não tinha como controlar isso.

— Você está achando ruim? — Camila perguntou — eu perdi uma aposta para sua mãe porque minha própria neta que nem nasceu ainda me odeia.

— Ela não te odeia — tive que dizer para a bobona — só me ama mais.

— Você é uma trapaceira — ela apontou o dedo para mim — eu não sei como, mas você trapaceou e um dia eu vou descobrir e me vingar.

Rimos de Camila. Conforme envelhecia, mais má perdedora se tornava. Pouca paciência para o fato de eu vencer sempre.

— Não riam de mim! Riam dessa desumilde! — Camila exclamou.

Continuamos rindo até que Olivia ofegou. Ela respirou fundo.

— Você está de saco cheio? Imagine eu com essa barriga enorme e um bebê chutando minhas costelas.

— É um bom ponto, Dan — apontei e ela fez uma careta.

— Pelo menos você ama seu bebê — argumentou — eu não amo esse negócio.

Olivia assentiu, mas respirou fundo de novo. Deu para ver o bebê se mexendo.

— Não sei, mas eu gostaria de ter um — ela falou — deve ser legal pular pelada. Com peitos dói.

Fiz uma careta. Doía mesmo.

— Se você quiser trocar... — ela ofereceu com o primeiro risinho que deu no dia.

— Se você quiser parir em meu lugar podemos fechar negócio agora — Olivia devolveu.

Dan gargalhou.

Olivia operando milagres!

— Eu acho que posso esperar — seu tom foi mais brincalhão.

Busquei Camila com o olhar e vi que ela sorria. Pronto, mais um humor recuperado.

Sempre gostei dessa menina.

Olivia e Daniel se davam muito bem. As coisas ocorreram errado, mas fazia bem para Dan ter uma garota da idade dela para conversar e ser mais próxima. Olivia era muito mais compreensiva que as amigas dela da escola e tinha o humor de Camila.

Camila era quem nunca iria admitir isso.

Thomas e Oliver entraram pela porta da sala, vindos diretamente da rua.

Mandei meu filho se virar para atender o pedido da namoradinha e ele conseguiu arrastar Thomas. Olivia estava com vontade de comer couve de Bruxelas com ricota, aipo, geleia de abacaxi, cebola e chocolate. Só tínhamos a cebola, então exploramos os dois para irem ao mercado.

— Estou de saco cheio! — Oliver se queixou — Thomas sai se atirando para toda mulher que aparece. Ele tentou chegar em três mulheres que escolhiam verduras, uma delas com um bebê no carrinho.

— Thomas??? — Camila questionou e ele deu de ombros.

— Não me importo com essas coisas. Gosto de crianças — foi o que respondeu.

— Desde que você não engravide ninguém pode gostar de quantas crianças for possível — eu disse a ele — de neto por enquanto já basta a Sem Nome.

Thomas riu.

— Mamãe o problema nem é só esse — Oliver resmungou — a mulher tinha uns quarenta anos. O melhor é que ela riu das investidas dele.

Entalei com meu próprio riso. Camila me passou o copo vazio e me afastei. Minha barriga começou a doer e as lágrimas desciam.

— Thomas, qual é o seu problema com pessoas mais velhas? — ouvi Camila perguntar indignada.

— Pessoas não, mulheres — ele falou — homens eu prefiro da minha idade. Não confio em homens mais velhos.

Burro ele não é.

— Garoto, você ainda é um pirralho, qualquer adulto que preste não vai te dar bola.

Respirei fundo, me equilibrando de novo.

— Isso não significa que eu não possa tentar — ele disse — estou quase conquistando a Noreen, ela já respondeu com risada meu último comentário no post dela.

— Isso é pena, meu amor — eu expliquei — Noreen está saindo com alguém, Normani me contou.

Ele se jogou no sofá.

— Que saco! — ele resmungou.

Daniel e Olivia trocaram um risinho.

— Ele achou mesmo! — Olivia comentou com Dan.

— Eu disse! — Daniel riu — vou até contar para Noreen.

Ela pegou o celular.

— Foram vocês?! — Thomas perguntou indignado.

— Mas é claro — Olivia riu.

— Noreen comentou comigo que você vive comentando nas coisas dela, então eu disse que você é um bobão apaixonado e resolvemos fazer o teste — Dan contou.

— Que droga! — o garoto resmungou — Vocês mulheres são más.

— Isso é para deixar de ser besta — Oliver riu do irmão — mas foi maldade, todo mundo sabe que o ego de Thom atinge a estratosfera.

— Ei! — protestou Thomas — eu não tenho culpa de ser bonito.

Os adolescentes começaram farra, falando alto uns com os outros ao mesmo tempo.

Troquei um olhar com Camila. Eles eram chatos, mas não tinha como ficar de saco cheio por muito tempo.

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Todo mundo dessa família tem uma consciência absurda da beleza que têm. Desumildes.

Até a próxima!

Um, Dois, Três!Onde histórias criam vida. Descubra agora