A Manchete

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Quietude. Eu fitava a janela da sala de aula, pensando no horizonte, no tempo, na faculdade. Tudo estava quieto, com exceção da voz da professora de química que explicava o conteúdo animada e aqueles prazorosos sons de canetas arranhando as folhas dos cadernos; um barulho quase imperceptível, que só se ouve em aulas quietas como essa.

Até que meu celular vibra na divisória abaixo da carteira. A professora não gostava que usássemos celulares em sua aula, mas sempre havia aquela ansiedade de pegá-lo para ver porque vibrou. Talvez fosse só uma mensagem insignificante da operadora de telefone... Mas não era. Ao menos, não vinha da operadora, e sim da minha amiga, Luisa, que se sentava na fileira mais próxima da porta.

"Eai, olha oq acabou de aparecer pra mim.", dizia ela na mensagem, enviando um link em seguida. Parecia uma manchete do jornal online Gazetão. Dizia

Mansão abandonada pode ganhar reforma, diz prefeitura.

"A velha mansão que pertencia à uma família antiga e rica da cidade deu muito o que falar na câmara municipal no último domingo (3). O terreno foi confiscado pela prefeitura, pois os proprietários originais não dão sinal há mais de 30 anos. 'Portanto, será reformada devido aos maus rumores, e revendida em breve', afirma Solange Rute, prefeita de Nova Ubatuba.
Não é de se espantar que passe por reformas, pois nenhuma pessoa quis comprar a antiga mansão devido à boatos de que é mal assombrada. Há diversos relatos de moradores e vizinhos ouvirem barulhos vindos de lá, e até as autoridades tem medo de entrar lá. Mas será que, de fato, o sobrenatural ronda o edifício, algum morador irregular ou histeria coletiva?"

Além da foto da mansão velha, havia uma pequena notícia sobre gentrificação de uma área carente do bairro, e um chamativo título da parte de receitas.

Luisa adorava esse tipo de notícia sobre nossa cidade, pois não havia muita coisa acontecendo por ali. Eu era mais cético e a desanimava das nossas antigas ideias de brincadeiras e explorações. Já estávamos deixando o ensino médio, e eu já estava um tanto quanto cansado de alguns rolês com ela. Digo, não com a pessoa dela, pois adoro-a, mas sim com aquela parte de si mesma que protestava impetuosamente contra o tédio de uma vida pacata.

"Não é demais? Devíamos passar lá no sábado.", era sua nova mensagem, provavelmente por eu já ter visualizado a mensagem. A olhei de longe, e ela estava naquela posição estirada, olhando pra professora mas com os braços enfiados debaixo da carteira. Acho que ela não percebeu meu olhar de desaprovação.

"Lu, não sei, não. A gente vai dar de cara com gente drogada lá. As pessoas não entram lá por algum motivo, né?", enviei. Olhei de soslaio para ela e notei uma rápida digitação. Meu celular vibrou em minha mão, e quando fui responder, fui interrompido de repente.

— Tsk, tsk. O que já falei sobre celular na aula, Miguel? — perguntou retoricamente a professora. — Vamos, me dê. No fim da aula você pega.

Ela estendeu a mão e o entreguei após dois segundos de relutância encarando aquele olhar desdenhoso. Ouvi alguns risinhos de colegas da sala. Quando ela se virou, olhei para Luisa e fiz uma cara de tacho, e ela sinalizou para conversarmos após a aula.

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