Um Pouco Mais Sobre o Início

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Já estávamos voltando pra casa agora, no fim da tarde. A multidão de estudantes saíam da escola, ditando o ritmo que o horário de pico sempre tinha. Vários carros com gente voltando do trabalho pela rua, sorveterias e lanchonetes abrindo pela avenida afora. 

— Francamente, depois de três anos você ainda não aprendeu a disfarçar o celular na aula! — resmungou Luisa, como se estivesse incrédula.

— Ah, para. A profê parece que me viu pela nuca. De qualquer forma, acho que fiquei distraído vendo aquela notícia — reclamei em tom de censura. — Já disse, não é boa coisa irmos ver essa mansão. Vai que tem alguém lá dentro!

— Não tem. Quem é doido de entrar numa casa dessas?

Olhei para ela com um sorriso irônico no rosto e ela entendeu na hora.

— Ta bom, você tem razão — admitiu. — Mas as pessoas costumam ter medo dessas coisas, sabe. Lembro da Juliana falando que a família crente dela nem passa no mesmo lado da rua que essa casa está.

Eu ri.

— Crentes, tinha que ser... Mas o que espera encontrar lá, Lu? Sábado a gente podia ir andar de bike com a galera.

A galera eram outros amigos e amigas nossos, que geralmente davam rolês conosco. A gente estudava na federal, mas eles estudavam na estadual que ficava um pouco longe da nossa escola.

— Ou podemos chamar eles pra ir lá na casa. Talvez a gente ache algo valioso que ficou por lá — argumentou ela, sonhadora.

— Ou então alguém já pensou nisso antes e roubou o que tinha na casa — eu olhei sério para ela. — Lu, eu não quero entrar lá. Já estamos um pouco ocupados demais com as coisas da escola e do ENEM, não?

Ela ficou pensativa. Fez uma careta.

— Migo, meu cérebro já está cansado. Preciso de um estímulo bom! Ou você quer que eu reprove? Que não passe na faculdade? É isso que você quer?! — disse ela, em tom dramático.

— Besta. Quer estímulo, vai dar uns pega em alguém. Desde quando você precisa entrar em supostas casas assombradas pra fazer as coisas, hein? — indaguei-a, enquanto caminhávamos já perto da nossa rua. Éramos vizinhos.

— Se eu não te conhecesse, diria que é um sem graça! Eu sei que você vai acabar indo comigo.

Era verdade, mas muitas vezes eu ia nas nossas aventuras duvidosas por me sentir responsável por ela. Luiza era do tipo intensa, determinada. Eu não nego que minha vida é bem mais feliz e animada por causa dela, mas desta vez eu não conseguia enxergar qualquer motivo para irmos fuxicar numa casa velha e abandonada que simplesmente estava lá, sem incomodar ninguém — e provavelmente sem querer ser incomodada. Se eu fosse uma casa, seria assim e pronto.

Enfim havíamos chegado na nossa rua, cercados por muros e portões em cada casa. Nós morávamos ao lado. Minha casa era laranja e baixa, e a dela era azulada e tinha terraço.

— Você quer ir jogar lá em casa? — convidou ela à jogarmos o seu Play 4, como fazíamos sempre.

— Pode ser. Vou me trocar e já vou.

Troquei o uniforme um pouco suado daquela semana e coloquei roupas confortáveis. Rumei para a casa ao lado, que já estava com o portão aberto. Quando entrei, a TV estava ligada e uma voz metódica falava.

O governador Luiz José afirma que o projeto para gentrificar algumas regiões carentes de algumas cidades já está em andamento — afirmou a jornalista da reportagem. Um corte de um trecho do discurso sobre o projeto veio em seguida.

Essa cuestão deve trazer mais modernidade e qualidade de vida para as cidades do nosso estado. Os serviços governamentais não chegam nas periferias por falta de estrutura, portanto, estamos tentando levar essa infraestrutura para lá.

Abaixo da manchete sobre o governador, estava escrito "A seguir: Homem é despejado de casa por sua moradia estar na região do projeto de modernização."

De repente, o canal mudou para a tela do video game. Luisa enfim surgira de dentro do seu quarto. Usava uma camisa preta de banda de rock e shorts.

— Podia ter avisado que chegou, hein!

— Você que não me ouviu entrando — defendi-me. — E também eu tava prestando atenção no jornal.

— Ah... Tava no canal quando liguei a TV. Tinha algo sobre a mansão assombrada? — perguntou-me ela aos risinhos.

— Não, boba. Era sobre o governador fodendo gente pobre com esses projetos de modernização de cidade.

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