No intervalo

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Cheguei em nossa escola bem atrasado. Deixei as aulas antes do intervalo de lado, e fiquei esperando Luisa em uma mesa que tinha no pátio. Fiz questão de deixá-la bem curiosa sobre o ocorrido, pois era tudo graças à ela. Já sabia que ela iria se remoer até eu contar, então nem estava respondendo-a no zap.

- Ei, Miguel! Está bem? O que faz sozinho aqui?

Essa pergunta surgiu um pouco antes do intervalo, de uma terceiranista que não era da mesma sala que eu. Estava cheirosa neste dia, percebi quando ela se sentou ao meu lado e fez um carinho na minha cabeça, e eu tinha uma quedinha por ela. Ela também tinha. A gente ficava, às vezes, mas eu me mantinha na minha. Era mais eu a querendo, do que o contrário, embora eu não tivesse certeza sobre isso.

- Oi, Dani. Que cheirosa - ela abriu um sorriso de canto. - Estou bem sim. Só um pouco cansado. Cheguei atrasado.

- Dormiu demais, gatinho?

- Não. Dormi de menos. É uma história complicada.

- E pode me contar?

- Eu não sei, é estranho agora que paro pra pensar - minha cabeça dava um nó quando eu lembrava do susto.

- Se for muito pessoal, você não precisa falar. Só achei estranho você chegar atrasado. Nunca vi isso!

- Ah, entendo. Acontece, sabe? Eu posso te contar depois, ainda estou assimilando essa manhã.

- Ta bom, lindo. Te vejo por aí depois - ela beijou minha bochecha e seguiu pro bebedouro. Sempre ficava maravilhado com o lindo cabelo cacheado dela.

E o que isso têm a ver com minha humilde narrativa? Não muito. Gosto desses detalhes supérfluos para apresentar pessoas de minha convivência. Eu devo voltar a falar dela depois, irei precisar de fôlego. Ela me causa tontura (no bom sentido).

***

O sinal soara, demarcando o intervalo. Uma chuva de vozes e passos perpassam por mim, algumas conhecidas e outras cotidianas.

Vi Luisa em apressados passos, vindo até mim. Acenei.

- Onde estava!? - saudou ela.

- Se eu te falar, você não acreditaria - bem, a este ponto do dia eu já estava achando ousado o que eu fiz. Foi perigoso, mas saí vivo e com uma história bizarra para contar. Ainda por cima, talvez Lu tivesse razão.

- Eu acredito sim, você sumiu. Fala logooo!

- Está bem, mas não fique contando vitória...

Relatei tudo que foi acontecendo desde às cinco e tanto da manhã. Reparei atentamente nas expressões de Luisa, enquanto eu contava, e vi apenas susto, surpresa e entusiasmo.

- ...mas agora, antes de você falar alguma coisa, onde você esteve, garota? Aparentemente eu corri risco em vão.

Ela deu umas risadinhas.

- Correu mesmo! Eu apenas fui pra casa - respondeu ela, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. - Fiquei emburrada com você todo rabugento. Eu tenho senso de não sair sozinha. Até porquê não teria graça ir lá sem você, ou algum amigo. Podia ter me mandado mensagem, antes de te dar na trela de vazar por aí, ainda mais naquela pista deserta!

Eu acabara de levar esporro de uma pessoa que sempre fora inconsequente. É, foi burrice mesmo.

- Sim, mas... Olha, eu não queria ter ido lá. Foi só porque pensei que você foi! Você costuma fazer essas coisas. E porque você não deixou uma mensagem avisando?

- Eu tava bolada. E não saio fazendo essas coisas sozinha às três da manhã...

- Mas comigo vale, né? - rebati, já que ainda me lembrava bem dela me chamando naquela madrugada.

- Vale. Mas depois disso, não vamos a noite. Só de dia.

Franzi as sobrancelhas.

- Oi? Cê quer ir lá?

- Vai me dizer que não tá curioso com essa casa agora que você mesmo a viu? CARA, tem alguma coisa lá. Tem um LAGARTO! Qualé, vamos lá - suplicou ela.

- Você não deve estar entendendo! Tinha alguém lá, ou alguma coisa. Não me cheirou nada bem. Você acha que ele iria gostar de ver dois jovens de ensino médio invadindo a casa dele? Isso se realmente for dele aquele casarão velho. Porra Lu, eu podia estar desaparecido agora!

Eu estava ficando nervoso. Luisa parecia colocar suas obsessões à frente do próprio bem-estar.

- Não precisa me lembrar disso. Eu me sentiria a pessoa mais culpada do mundo se te acontecesse algo... Mas não acha que devemos fazer alguma coisa? Você não viu o segundo andar, e nem sabe o que viu... E o lagarto? E as pichações?...

- Eu só te digo que não nos importa - de repente, uma epifania. - Acabo de lembrar que devem reformar aquela casa, ou vão demolir, sei lá. Você que mostrou a notícia no jornal, lembra?

- Lembro. Mas se forem demolir, não vamos saber o que você viu - teimou ela.

- Ou então nós vamos. É só esperar pra quando os pedreiros forem lá. Pouca gente mora ali naquela rua, vai ser bom pra aumentar o movimento de pessoas ali.

- Eu não quero esperar, cara. Eu posso filmar uma verdadeira casa assombrada. Imagine, eu e você faturando uma grana com isso! - seus olhos ficaram distantes enquanto ela falava, ou melhor, fantasiava. - É uma chance de ouro.

- Tem muito filme já com essa temática. Sempre dá merda. A câmera sempre estraga, sempre tem alguma coisa de errado. Eu chuto que a coisa que eu vi foi apenas um viciado.

- Você mesmo disse que nem parecia ser humano, porra. Você é muito descrente.

- Cético é o termo correto - retorqui, orgulhoso. Ela fez uma careta.

- Blé, nerd! - ela ficara pensativa por um instante. - Vou chamar outras pessoas para ir comigo, então.

- Tipo quem?

- Talvez... o Tiago. Tem a Nanda e a Tainara também!

Esses que ela falou eram da nossa sala. Faziam trabalhos com a gente, mas nunca foram de sair nos nossos rolês mirabolantes, porém andavam de bike com a gente. Íam em rodízios também, shopping, praia. Essas coisas, menos as mais bizarras.

- O Tiago anda trampando. A Tainara ta focadíssima no ENEM. No máximo a Nanda, mas essa eu sei porquê - dei uma risadinha. Lu franziu a sobrancelha, um pouco corada.

- Engraçadinho... Que seja.

Eis a graça: Nanda era afim de Luisa.

Trriiiiimmmm. O sinal. Fomos para a sala de aula.

A Casa Velha.Where stories live. Discover now