Saidinha

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Falando mais sobre Luisa, era uma garota particularmente inquieta. Alguns até chamam ela de agitada, maluca, ousada. Mas era inquietude que eu via em minha amiga. Ela tinha grande curiosidade de saber a fundo aquilo que a interessava. E você, leitor, não pense que há um padrão específico para os gostos dela.

Uma vez, ela ficou obcecada por cinema italiano. Noutra vez, foi com cores e tipos de esmalte, além de um incomum desejo em memorizar códigos úteis, desde o número do RG dos pais até placas de alguns carros que a gente conhecia o dono. E eu que tinha que ouvir essas peculiaridades, sempre.

Mas desta vez, com certeza sua nova obsessão eram casas assombradas. Eu havia notado já que, há alguns dias, ela andava curtindo e compartilhando em redes sociais esse novo gosto. No Letterboxd, ela tinha adicionado alguns filmes com essa temática. Entretanto, o que estava me preocupando era que Lu não falara de nada disso comigo, com exceção daquela mansão velha que ela viu a notícia mais cedo. Eu me lembro dessa preocupação que tive, antes de dormir. Não era nada demais ainda, nada para esquentar a cabeça, dizia eu, e o sono era melhor do que pensar nisto.

Até que sinto algo pontudo encostando em meu braço repetidamente. Abro os olhos, minhas pupilas se encontram com olhos grandes e curiosos, junto de uma leve culpa, me fitando no escuro do quarto. Eram conhecidos. Senti a ponta do dedo que me cutucava tapar minha boca, que já começara a se abrir para protestar.

— Calma, sou eu — anunciou Luisa aos sussurros, como se eu não tivesse notado. — E se a gente fosse ver aquele velho casarão?

Tirei o dedo dela de cima dos meus lábios.

— E se você voltasse a dormir? — retruquei, mal humorado, com os olhos estreitos pela luz do celular dela no meu olho.

— Eu não estava dormindo, seu chato. Estou com uma mortal interrogação na consciência!

— E qual seria essa "interrogação"? — perguntei, com medo da resposta.

— Você lembra da casa assombrada?...

Soltei um suspiro impaciente.

— Você me acordou pra falar disso? Que horas são agora? — olhei rapidamente na tela do celular e já eram duas e meia da madrugada. — Olha, não é porque dizem que agora é o horário "do demônio" que você vai me assustar com esse papo.

— Por favor, você me conhece melhor que isso. Não te acordei para falar sobre isso, mas pra me... acompanhar — respondeu-me, com um sorrisinho entusiasmado.

Estreitei os olhos, como se ela estivesse longe.

— Oi? Te acompanhar pra onde?

— Pra casa assombrada! Se tem um horário bom pra ver o terror, é agora — animou-se ela. Em contrapartida, eu desanimava. Balancei a cabeça.

— Não, não e não!

— Qual é, Miguel! Você anda tão chato ultimamente.

— Eu sou responsável e tenho mais o que fazer. Você anda muito fissurada nisso aí de casa assombrada. Vamo dormir — implorei.

— Está bem. Pode dormir, vou sozinha. Mais tarde te trarei alguma prova — disse ela, decidida.

Fiquei estarrecido.

— Olha, se seus pais souberem que você saiu daqui de casa sozinha essas horas da madrugada, vão brigar com mamãe e depois comigo. E com você também! É perigoso. Se você achar alguém ruim lá dentro, você ta muito fudida.

— Então você terá de ir comigo, ou então tudo será arruinado — e ela saiu do meu quarto após essa conclusão. Eu neguei-a com tsk, tsk, tsk, e cai no sono por mais umas duas horas.

Já deveria ser umas cinco da manhã, o alvorecer crescia junto de minha culpa. Acordei ofegante e assustado. Um pesadelo ocorreu-me sobre aquela casa engolindo Luisa, tal qual uma antiga animação de terror que eu gostava. Ela era digerida e dissolvida por um suco gástrico grudento e avermelhado enquanto gritava de agonizante dor. Eu sabia que era um sonho, é claro, mas aquela sensação ruim me fez ir até lá na mesma hora. Quão imprudente fui eu.

Nem tomei café ou escovei dente. Peguei a bike na varanda e sai naquele início de dia. Quanto mais eu pedalava, menos de noite era. Havia orvalho batendo no asfalto; sereno de manhã calmante, que me fez espirrar em movimento e quase cair da bike. A tal da ansiedade comete maiores loucuras do que se dá na realidade, mas só se descobre depois dela passar.

O suor voava à medida que eu subia morros, virava em curvas, pedalava. Minha bike não era grandes coisas, não, mas aguentava o tranco.

Finalmente, cheguei na rua do velho casarão. Demorei uns vinte minutos. Ficava numa pista mais isolada que ligava um bairro no outro. Era pouquíssimo iluminada pela noite. Céus, não imaginam o quão merda eu me senti por não ter ido com ela.

E ali estava eu, de frente para a casa. Derrapei na areia na hora de frear, mas não caí. Haviam cercas de ferro pontiagudas em volta do terreno, apoiadas em muros há muito envelhecidos e pichados. O portão era quebrado. Estava apenas apoiado, então tive que arrastá-lo. O chão dali era bem fofo e cheio de relva alta e grosseira ao redor da casa e do quintal, consumindo o solo. Era estranho, parecia um ambiente intocado, porém tão maltratado também, pisoteado, arranhado.

Ao olhar diretamente para a fachada do casarão à minha frente, senti calafrios. Medo ou pressentimento? Só saberia quando entrasse.

A Casa Velha.Where stories live. Discover now