Capítulo IV - Botas Através Da Vegetação Rasteira

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Seus ouvidos zuniam a cada novo disparo. A vibração do ar era tão potente, parecia capaz de arremessá-lo para longe a cada nova onda sonora. Farpas voavam em sua direção com as explosões, porém não havia tempo para a dor vir à tona. Seu corpo inteiro era preenchido pela adrenalina, sentia estar prestes a entrar em combustão com o excesso dela.

Tropeçando em meio às raízes das árvores as quais estava sob, Mono ouvia se distanciar das respirações pesadas do Caçador, assim como passos curtos e rápidos em sua retaguarda. Fuja! Seu cérebro gritava, e seu corpo nada mais fazia a não ser resignar-se à ordem, por mais que a curiosidade de virar a cabeça para trás estivesse formigando dentro de si. Quando alcançou o fim do túnel, apenas seu próprio arquejar podia ser ouvido - além da criança atrás dele.

Ao virar, encontrou olhos dourados por baixo da franja cintilando à luz da lua, ambos franzidos com a parada repentina. Afinal, o caçador ainda estava à procura deles. Num estalo, ele lembrou. A garota que havia salvo! Como pode ter esquecido que ela era o motivo de estar fugindo daquele maníaco por taxidermia? Talvez fosse pela sensação de ter acabado de despertar, o que não fazia tanto sentido, já que esteve correndo por longos minutos.

Mas isso importa agora? A garota parecia fraca depois da corrida, talvez não se alimentava direito há dias, e Mono sentia necessidade de ajudá-la. Tirá-los dali era prioridade no momento. Pressentimentos estranhos devem ser deixados para depois, afinal, era hora de focar no concreto. Tinha que admitir, ela era bem resistente, mesmo estando aos frangalhos aparentava não demonstrar fraqueza. Desde que se conheceram, ele pôde reconhecer o quão orgulhosa era.
Tanto faz, de agora em diante ela era sua amiga. Afinal, ele havia a salvo daquela prisão, e era isso que amigos fazem, certo? Convicto desse pensamento, ele agarrou sua mão e a puxou para continuar sua jornada. Estava tão empolgado, fazia tanto tempo que suas aventuras não possuíam uma companhia. Notou como a garota hesitou em fechar seus dedos sobre os dele. Problemas de confiança, era normal. Sentiu-se bem ao perceber que o fez.

Logo na frente havia uma pequena ponte caída sobre uma ravina profunda, onde o fim era coberto por uma espessa neblina azulada. Quem teve coragem de alcançar a borda foi sua amiga, que apontou para um pedaço da ponte ainda suspenso. Olhando para os dois lados, Mono encontrou uma das estacas soltas onde a corda se agarrava, e logo montou o quebra-cabeça.

- Oi! Aqui! - Ele sussurrou, apontando para sua descoberta. Para demonstrar sua ideia, ele agarrou a estaca e usou toda a força de seu pequeno corpo para puxá-la, como consequência levantando a parte caída, ainda que bamba.
Ela não precisou de muitos neurônios para raciocinar o que fazer.

Aproveitando que Mono tinha encurtado a distância do salto, ela acenou, se preparando para pegar impulso. Seu pequeno corpo voou pelo ar, antes de cair nada majestosamente do outro lado da ravina. Por debaixo da sacola de papel, ele sorriu diante o triunfo de seu plano. Ela conseguiu! Agora, só faltava ele. Chamando a atenção da garota que ainda parecia um tanto avoada, ela virou, finalmente lembrando da existência dele. Tantos anos sozinha a fazia esquecer desse fato quase que constantemente. Para a alegria de Mono, ela se posicionou na outra borda, se agarrando em uma estaca para que tivesse mais firmeza. A sensação de trabalho em equipe pulsava em seu peito, quente e amigável, de uma forma que não sentia há tempos. E era apenas o começo!

Copiando os movimentos da menina, ele saltou, caindo um pouco antes da plataforma mas rapidamente sendo aparado por ela. Suas pernas suspensas balançavam, brincando com a queda iminente, porém tentou não se importar. Só precisava ser puxado de volta, e estaria são e salvo por mais alguns minutos antes de se meter em algum perigo de novo.

- Já pode me puxar - Mono normalmente não gostava de falar mais que o necessário, contudo estava estranhando a demora da menina. Encarar os seus olhos era como viajar com a mesma, pois pareciam tão distantes. Se perguntava o que ela enxergava através deles, e também por que esbanjavam tanto pavor. Talvez se soubesse poderia evitar o que viria depois, pois foi exatamente o que ela fez.

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