Capítulo IX - Circulando o Trono

108 13 10
                                    

Sobreviver aquele mundo era questão de estratégia. Saber dominá-las definia sua permanência nele - não era uma opção, e sim uma necessidade. A lei dos mais fortes não se aplica em um mundo anárquico, ainda mais quando tudo parece desproporcional. Raciocínio lógico era a chave para manter-se respirando, algo atípico num período em que todos enlouqueceram. Mono não era um deles. Quando se deparou com aquele tabuleiro de xadrez, precisou de poucas dicas para saber o que deveria fazer. Afinal, o que era um singelo quebra-cabeça comparado às inúmeras decisões que havia feito sob pressão em fugas audaciosas?

Ele encontrou o padrão das peças escondido atrás da grande imagem de um olho, revelando as pistas para o enigma. O tabuleiro era grande demais, cobrindo boa parte da sala e com peças que facilmente superam seu tamanho minúsculo. Porém, ainda podia remover suas cabeças, incumbindo-lhe o papel da tirana de copas que decapitava seus próprios peões. Não foi difícil buscar os pedaços remanescentes daquele jogo, espalhados a poucos metros de distância do centro do tabuleiro ou adornando os corpos inanimados dos personagens de xadrez. Colocando cada um em seu devido lugar, faltava unicamente o rei branco.

Para seu gambito final, reorganizou a peça da torre, cuja superfície o permitia subir e alcançar a mesa que ladeava o tabuleiro, de onde avistou a cabeça do rei, exposta como um troféu de guerra. Ele subiu com cautela, pois o encaixe parecia meio solto e tremia conforme se movimentava. Alcançando equilíbrio, subiu na mesa, avistando o último encaixe para o fim daquele enigma. O segurou e jogou no chão em meio aos outros, em seguida descendo de onde estava. Restava colocar cada peça em seu lugar para enfim declarar xeque-mate contra o rei de porcelana, que era adornado por uma das cabeças frágeis dos bonecos daquele lugar com uma singela coroa em sua cabeça. Por fim, encaixou o fragmento que havia acabado de resgatar do alto da mesa, ouvindo um clique e, em seguida, observando uma lâmpada se acender. Tudo seguia conforme o plano, e ele logo notou que o cabo da luminária que pendia sobre a parede servia como alavanca para uma passagem secreta. Seguiu até seu objetivo, quando o som de algo destilando no piso o fez olhar para trás novamente.

Colocado sobre o corpo do rei branco, já não havia mais a peça que teria pego inicialmente. E sim, a própria cabeça decapitada de Mono, coberta por linhas de estáticas e emitindo ruídos estranhos. Ele não soube como reagir.

Apenas se afogar em desespero, e no próprio sangue que escorria agora de sua garganta.

Sentindo uma dor agonizante em seu pescoço, Mono acordou assustado. Demorou alguns segundos para definir o quão real aquilo era, constando que não havia sangue algum escorrendo para dentro de suas roupas. Era só mais um pesadelo, como todos os outros que teria tido anteriormente. Ao menos, dizia para se confortar.

Levantou-se, se perguntando quanto tempo permaneceu desacordado. Constando pelo breu do lado de fora e o domínio da iluminação artificial, ainda era noite na sempre escura Cidade Pálida. Suspirou aliviado, pois aquele tinha sido um breve cochilo comparado ao que tivera anteriormente. Pelo lado positivo, não sonhara com aquele estranho homem de chapéu - o que o deixava pávido, já que era incapaz de explicar como aquele senhor podia ser mais assustador do que a visão de sua própria cabeça ensanguentada.

Aquilo não era hora de se preocupar. Não ainda. Tinha uma longa fila de espera para enfrentar antes de se tornar um problema urgente. No momento, tinha que encontrar Six e sair daquela prisão infantil. Mesmo que cambaleando, ele seguiu pelos corredores, tomando cuidado para não cair daquele andar, onde o parapeito quebrado denunciava pouca estabilidade. De canto de olho conseguiu avistar uma pequena sombra, que lhe chamou a atenção por parecer produzir chiados e distorção. Porém, quando foi virar, o som e a silhueta sumiram, deixando apenas alguns grãos de poeira escura no ar. Pensou ser coisa da sua cabeça, ainda mais ao sentir uma leve pontada em seu lóbulo frontal, mas nada demais. Não poderia duvidar da realidade que se encontrava, mas o quão sã sua mente estava, isso sim era algo a se questionar.

Butterfly EffectOnde as histórias ganham vida. Descobre agora