Capítulo V - Entretenimento Descartável

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Ele mergulhou nas águas densas do pântano antes que a porta pudesse abrir. Rapidamente se escondeu debaixo da passarela de madeira, onde passos pesados a tremiam fazendo com que madeira roída e asas de cupim voassem para todos os lados. Ele e sua companheira esperaram que o Caçador se afastasse o suficiente para que pudessem prosseguir em sua fuga. Paciência era necessária caso quisessem sair vivos daquela situação.

Fora do alcance da lanterna, eles atravessavam o lodo lentamente, mergulhando quando necessário para fugir da vista astuta do Caçador. O cheiro desagradável agora impregnava em suas vestes, atraindo nuvens de moscas ao redor deles. O zunido era irritante, mas tinha que lidar contra o instinto de afastá-las para longe caso quisesse evitar movimentos muito bruscos. Não sabia até que ponto o Caçador os ouviria.

Ao chegarem em um pedaço de terra, por um momento se viram em um beco sem saída. A distância entre os dois pedaços de terra era muito longa, e não conseguiria prender a respiração por tempo suficiente. Foi então que sua companheira apontou para o grande tronco velho, que caso derrubado, os deixaria fora da vista do perseguidor, ao custo do grande chamariz que faria ao cair. Teriam que ser rápidos na reação e se esconder antes que recebesse um projétil na cara. Sem muita alternativa, concordou com o plano, começando a colocá-lo em prática imediatamente.

O tronco era mais pesado do que parecia. A gravidade também não ajudava a empurrá-lo para baixo. Enquanto se esforçavam ao máximo na tarefa, Mono observou os sulcos da madeira, se deparando com um pequeno coração entalhado na base. Havia algumas iniciais, mas não dava para distinguir direito. Aquilo o distraiu por alguns segundos. Era inusitado ver algo tão doce em um cenário apocalíptico e perigoso. O fazia questionar se fora feito antes das entidades. Talvez mesmo pelo Caçador, antes de ser consumido pela própria loucura. Era estranho pensar nisso, mas tinha ciência de que em algum momento eles foram normais. Todo objeto em pedaços outrora já foi inteiro, afinal. Isso lhe dava esperança, de que aquele mundo poderia ser consertado, pois a doença não era inata.

A garota ao seu lado o cutucou. Provavelmente percebeu que não estava se esforçando o suficiente. Tentou murmurar um "desculpa", mas o som mal saiu de seus lábios, julgando ser melhor voltar à tarefa do que perder mais tempo. Aquilo estava difícil como o inferno de se empurrar! Depois de mais três, quatro, cinco tentativas, o tronco enfim cede ao chão, causando um estardalhaço. Como haviam previsto, o Caçador rapidamente reage mirando a escopeta em sua direção, dando apenas poucos segundos para escaparem.

O som do disparo vibra o ar, passando de raspão sobre sua cabeça enquanto mergulha. Por pouco sua vida não passou diante de seus olhos. Não tinha muitas memórias. Agora, escondidos pelo enorme tronco, o Caçador não iria gastar suas balas atirando às cegas. Poderiam passar tranquilamente, por enquanto.

Um pequeno trecho à frente ficava fora do alcance do tronco. Poderia atravessá-lo debaixo d'água. Seguindo sua companheira, ele a segue até a parte segura.

Mais uma vez, ele mergulhou.

O fluxo das ondas foi ficando mais nítido em seus ouvidos. Parecia estar emergindo das águas turvas de seus pesadelos. Aquele balançar suave que sentia tentava induzi-lo ao sono outra vez, porém a curiosidade foi mais forte e o fez abrir os olhos.

Sua vista se enchia de um oceano cinzento e nebuloso. Tentava estabelecer vínculos com suas memórias, porém não tinha ideia quando poderia ter acabado à deriva. Levantando-se com cuidado, sentindo a jangada ceder um pouco a cada movimento seu, se sentou e procurou pistas ao seu redor, esbarrando o olhar na garota que antes havia resgatado. Six. Agora ela brincava com sua caixa de música, contornando sua silhueta, mas não deixou de notar a movimentação ao seu lado.

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