Sete

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O bar estava cheio, como sempre.

Seu Valdir e suas quatro filhas corriam de um lado para o outro, carregando garrafas de cervejas, copos, porções de torresmo e fritas e os famosos pastéis fritos de um lado para o outro.

Pessoas riam, conversavam, se abraçaram, cantarolavam as canções que tocavam em um volume alto [que quase chegava ao limite do insalubre]; do sertanejo raiz ao rock clássico dos anos ointenta/noventa, todas as músicas eram ovacionadas ali como hinos — e não há como culpar, o Livin' on a prayer de Bon Jovi era algo a se cantar com todo fervor em um inglês altamente duvidoso [vamos dizer que o que quer que fosse aquilo, não era inglês, mas uma outra língua inventada pelos clientes que ali estavam].

Ou melhor, quase todos os clientes. Dona Odete e Jonas não faziam parte do show desafinado de uma plateia embriagada.

Sentados ao fundo do bar, bem distantes de qualquer outra mesa — e próximos ao banheiro —, os dois esvaziaram em silêncio três garrafas de cerveja, já enchendo seus copos lagoinhas com a quarta garrafa geladissima que acabava de ser colocada à mesa.

Dona Odete com três dedos de colarinho, seu Jonas com nenhum. Os dois pegaram seus copos com um movimento quase mecanizado, beberam um gole do líquido gelado, e depositaram os copos de volta à mesa — sincronizados. Os dois também carregavam uma mesma carranca assombrada em seus rostos, ainda não dominados pelo álcool em suas veias, sentiam ainda o estupor da experiência no mirante [uma hora atrás].

— Você também viu, né? — Jonas, pela primeira vez, ousou dizer qualquer coisa, olhando fixamente para a senhora sentada na mesa de plástico.

— A barata voadora do tamanho de uma criança ou minha sobrinha com roupa colada no corpo voando? — Dona Odete bebeu outra golada de cerveja, sem virar-se para o jornalista.

— As duas coisas — Jonas desviou o olhar, seguindo Odete em encarar um ponto cego qualquer no meio do bar, entre a mesa de sinuca e os pôsteres de mulheres de biquíni na praia tomando uma gelada. Tal como a velha, o homem também não olhava para nada de fato [só pairava a vista num ponto fixo qualquer].

— Espera que eu fale o que? — Dona Odete se virou pra ele, com o semblante duro e impaciente. — Quer que eu diga que não vi nada? Que tá alucinando?

— Sinceramente... Queria! — Jonas voltou a atenção pro seu copo, esvaziando-o de uma só vez.

— Eu praticamente criei aquela menina, e ela por aí hoje em dia envolvida com coisa errada! — Dona Odete soltou em um tom agudo de lamentação, quase chorando de desgosto. — Sair por aí matando baratas? Baratas gigantes? Só me faltava tá envolvida com jogos de azar!

— É com isso que se preocupa? — Jonas não pôde evitar rir da velha. Ela, em resposta, virou-se pra ele com um olhar duro, quase que avançando pra uma investida mais violenta.

— Não me mexe comigo não — ela vociferou meio balbuciando [o álcool comecara a fazer efeito].

— Desculpa. — Jonas ergueu uma mão para cima, e dona Odete cedeu sua expressão, fixando um olhar levemente mais ameno no homem.

— Tá desculpado. — ela bebeu mais um gole, esvaziando o copo e depois enchendo o seu e o de Jonas com mais cerveja. Depois de mais um outro gole, ela o encarou: — Então você não tava envolvido com agiota, né?

— Agiota?

— É, — ela o encarou mais fixamente — agindo todo estranho, andando pra lá e pra cá fazendo pergunta sem sentido... Sendo perseguido por um careca esquisito...

— Como assim? — Jonas arregalou os olhos, surpreso com a última afirmação da senhora.

— Carequinha da silva, nem cílio parece ter... Ficava na porta da sua casa te vigiando! — Ela falou como quem diz sobre um fato aleatório qualquer. Jonas, por sua vez, ouviu aquilo completamente atordoado, quase que sem respirar de nervoso. Dona Odete continuou, despretensiosa: — Ele ficava lá parado encarando sua janela, ficava te seguindo quando... [iria dizer "quando eu te seguia", mas calou-se a tempo].

P.P.P. - Projeto: Pode piorar?Where stories live. Discover now