LENDAS DO INFERNO - AS SETE FACES DO PECADO

IRA

O espelho quebrou e chegou ao chão avermelhado.

— Ira

Caio abre os olhos de manhã com preguiça e encara o teto por alguns segundos. Hoje é seu primeiro dia de aula no segundo ano e ele está sem qualquer estímulo para comparecer. O adolescente de cabelo encaracolado e curto coloca seus óculos de grau que está na mesinha ao lado da cama e levanta, arrastando os pés para o banheiro. Ele não quer, mas precisa de um banho. Já faz um dia que o corpo não recebe água e ele está fedendo. É cedo e ele acordou antes do alarme tocar, e mesmo assim ele bate uma punheta no chuveiro para aliviar o estresse e começar o dia um pouco bem.

Ele estuda nesse colégio particular desde que tinha onze anos. Na mesma turma e com as mesmas pessoas. Eles cresceram, só que continuam uns cuzões. No início foi mais difícil porque ele era novo demais, reagia às provocações com chutes e pontapés, socos, murros e gritos. Com o decorrer dos anos ele aprendeu a aguentar em silêncio.

Após de arrumar, Caio coloca seu bracelete de pano, cobrindo o pulso esquerdo e seus anéis de prata que ele sempre tira durante a noite. Seu pai o deixa na porta da escola em total silêncio, se despendem e Caio entra no colégio de cabeça baixa, passando pela catraca e mostrando sua ficha de identificação.

Sala número 12. Segundo ano do Ensino Médio. Ele respira fundo e abre a porta.

— Esse garoto ainda está aqui? — Debochou Santiago, o encrenqueiro que Caio odiava ouvir até a voz. Ele respira fundo mais uma vez e dá play em sua música, conectando seu fone de ouvido ao celular e se sentando em uma cadeira longe de Santiago. Ele olha para o lado e ver Marina mexendo no celular.

Marina... Ele é apaixonado por ela desde o sétimo ano e ela sabe disso. Todavia, Marina não corresponde aos seus sentimentos e ambos decidiram cultivar a amizade. Sim, Caio vive na friendzone há seis anos.

A moça o cumprimenta rapidamente com um abraço de boas-vindas e ele sorri pela primeira vez na semana. Até que Tamara se senta atrás dele e puxa seu cabelo, rindo em seguida.

— Você podia fazer uma progressiva nessa bagunça que você chama de cabelo. Quando é seu aniversário, Caiozinho? Vou lhe presentear com um pente de madeira. — Ela e sua melhor amiga, Sofia, riem.

Tamara é uma menina narcisista que se coloca em primeiro lugar e não pensa em ninguém. Caio não nega que ele também é um pouco egoísta – quem não é? –, mas Tamara supera todos os seres humanos. Ela é claramente doente e se diverte às custas do sofrimento de Caio.

A aula começa sem que uma pessoa levante a mão para defender o garoto das provocações constantes da colega que sempre insiste em sentar perto dele. Há uns anos, um professor defendeu a implicância com "gostar" e por um ano inteiro Caio teve que aturar esse homem fazendo brincadeiras sobre namoro entre os dois. Tamara, para ter atenção, colaborava e fingia que adorava o colega. Caio, por outro lado, odiava cada segundo.

Aula de história. Ah! Caio odeia esse professor e a recíproca é verdadeira. Suas notas nessa disciplina não são das melhores, pois a autoridade da sala sempre fazia uma correção extremamente rigorosa nas provas do garoto.

Quando Kaique entra na sala, olha para cada aluno e decide dar um de seus sermões de sempre. Ele olha para Caio com desdém e diz que "alguns alunos não merecem estar naquela sala".

Claro! A famosa sala dos "inteligentes": Olímpica. De fato, Caio também acredita que não merece estar nessa sala. Além de ser odiado, ele não acha que está no patamar dos seus colegas. Ele só conseguiu a vaga por influência do seu pai e ele não iria desagradá-lo. Entretanto, escutar isso de Kaique faz com que a raiva suba até a garganta de Caio. Ele engole em seco e cerra os punhos, soltando o ar pelo nariz com calma.