tres.

93 16 8
                                    

Barcelona, Espanha - Junho de 2020


Eva se sentia uma farsa. Foi ela quem disse que os dois não eram nada mais que amigos com – muitos – benefícios, ela quem tenta agir de maneira despretensiosa quando está perto de Héctor e faz piadinhas por ele ser um romântico incurável a todo o momento. Mas também foi ela a primeira a se apaixonar por cada detalhe dele e desejar, a cada minuto, ser capaz de desviar de todas as peças que sua mente pregava quando ela pensava em se entregar aos seus sentimentos.

"Talvez eu seja muito emocionada." Eva não sabia quem havia inventado esse termo para pessoas apaixonadas, mas ela odiava.

"Nós não nos conhecemos há muito tempo." Em que planeta, duas pessoas saindo regularmente, há mais de um ano não se conhecem o suficiente?

"Ele é um jogador de futebol, com certeza pode procurar e encontrar mulheres que oferecem muito mais benefícios em um relacionamento que eu." Desde quando falamos de amores como falamos de negócios?

Enquanto tentava não se perder em seus pensamentos e inseguranças tolas, Eva sentia o coração acelerando mais a cada segundo em que encarava a tela de seu computador, aguardando Héctor se juntar a ela na reunião do Zoom. Desde o início da pandemia, essa era a única maneira que eles continuavam a se ver e ambos odiavam, mesmo sabendo que não havia o que ser feito.

Os tempos pandêmicos não estavam sendo fáceis. Eva precisou cancelar a viagem surpresa que havia planejado para celebrar o aniversário de Héctor, em março daquele ano, pois a celebração seria na mesma semana que o governo espanhol havia decretado lockdown no país. Ela perdeu o pai, o avô materno e seu emprego em abril, em um espaço de 25 dias. Não podia visitar o restante de sua família, que estava "presa" em Sevilha há semanas e seu melhor amigo estava há quilômetros de distância.

Na região noroeste do continente, na capital inglesa, Héctor também vivia seu próprio inferno pessoal. Seu rendimento em campo não estava sendo o esperado e o técnico novo, que foi seu companheiro de equipe por anos, parecia não confiar tanto nele, o que resultou em muitos jogos no banco e poucos minutos jogados. Ele passou a maior parte dos dias no início da pandemia na cama, só se levantando para abrir uma das 456 plataformas novas que estavam sendo usadas para realizar atividades a distância e acompanhar os "treinos" que Arteta improvisava e para tomar banho. Mesmo com o "retorno" da temporada e tendo a chance de sair de casa pelo menos para os estádios, sentia falta da sua família, de conseguir respirar em paz sem o medo de adoecer e principalmente de Eva.

Eles conversavam todos os dias e a mulher via, aos poucos, o brilho dos olhos dele sumindo e sentia seu coração se revirar em protesto. Ela não podia abraçá-lo, dizer que tudo ficaria bem e se aninhar no peito dele como sabia que ele amava para que o tempo parasse e a tristeza dele sumisse, mesmo que por algumas horas.

Aquele dia não foi diferente, quando Héctor entrou na reunião Eva pode notar que ele novamente tinha os olhos inchados, denunciando o choro recente e ela passou as mãos nos rosto, suspirando fundo. Que merda de vírus inútil.

— Eu estive longe de você por menos de 24 horas e já foi o suficiente para você fazer uma merda no cabelo? — Eva comentou, tentando quebrar o gelo e animá-lo, sobre a cabeça recém raspada do jogador. Ele soltou uma risada fraca e mostrou a língua para ela.

— Você está longe de mim há mais tempo que isso. — Héctor respondeu sorrindo triste e sentindo uma ardência característica surgindo em seus olhos. — Só queria que essa merda acabasse de vez, estou de saco cheio.

— Eu sei Heccy, eu também. Talvez a gente tenha a chance de conseguir se ver até o fim do verão.

— Eu espero que sim. — Ele sorriu se aproximando da câmera. — Eu tenho que te mostrar uma coisa, espere aqui.

𝑨𝑳𝑮𝑶 𝑪𝑶𝑵𝑻𝑰𝑮𝑶 | 𝑯𝑬́𝑪𝑻𝑶𝑹 𝑩𝑬𝑳𝑳𝑬𝑹𝑰́𝑵Where stories live. Discover now