Prólogo - Faça um desejo

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VEGAS


Houve um tempo no passado, um passado que parece tão distante que Vegas nem se recorda mais, em que ele foi uma criança que fugiu de casa. Ele se lembra muito pouco dessa época, mas lembra do quarto em que ele e Cau costumavam morar, da janela que mostrava a rua deserta e feia. Naquele quarto, Vegas desenhou um campo de calêndulas para contar uma história para o irmão de um mundo mágico que se abria toda a meia noite, para onde crianças poderiam ir se estivessem tristes.

Um dia quando ele dormiu, na noite anterior da partida, ele sonhou que uma porta se abriria para o campo. Ele podia sentir o vento gelado batendo sobre o rosto dele e a textura da mão de Macau segurando firme a dele. Após as flores belas sacudindo sobre a brisa, um piquenique esperava todas as crianças tristes do mundo, espalhado sobre toalhas infinitas de cor vermelha.

O sonho de uma criança pode ser tão real e tão alegre que apenas por alguns minutos pode ser capaz de apagar todas as outras coisas do mundo. Foi assim por horas, olhando para o céu, brincando, até que um trem chegou tremendo toda a terra e surpreendendo as crianças. Vegas lembra de uma alegria incomum, ele lembra de dizer aos rostos desconhecidos dos novos amigos que "alguém havia chegado para nos salvar deles", mas então... ele acordou.

O som do trem não se tratava do resgate, mas do algoz tentando arrombar a porta do quarto dele outra vez, aos gritos. Vegas era rápido, esperto, e tinha um senso de proteção aguçado para com o irmão, de forma que bastava um movimento e estava na outra cama acordado Macau. Ela sempre fazia isso, toda vez que batia às quatro da manhã, furiosa tentando punir todo mundo pela forma com que vivia, especialmente se essas pessoas fossem seus dois únicos filhos.

As vezes ela conseguia abrir a porta, quase sempre portando uma cinta pesada na mão, de forma que a essa altura Vegas não fosse capaz de lembrar do rosto dela, apenas uma sombra furiosa de cabelos escuros. O caso é que as cenas se repetem nas veias do tempo guardadas na memória dele e ele sempre se vê protegendo o irmão com o próprio corpo, esperando pelo pior. É como nos filmes de horror, a porta treme e você espera o vilão adentrar para pegá-lo, mas aqui, enquanto se lembra do passado, a cena se converte em outra coisa.

Pois na noite em que ela tentou derrubar a porta outra vez, Vegas não apenas protegeu o irmão com o próprio corpo, mas também o vestiu e pegou as coisas dos dois e as enfiou em uma velha mochila. Ele tinha apenas 9 anos e Macau tinha 5 anos e meio quando decidiu que fugiria dela para sempre, que procuraria o pai, de quem ela sempre os escondeu, para que ele os ajudasse a nunca mais vê-la. Foi pensando nisso que ele pulou a janela de fininho e se esgueirou pela rua escura e fria, atravessando as residências para adentrar na floresta.

Ele sabia o caminho para a rodoviária da cidade, guardou dinheiro por meses na mochila, tentou fugir duas vezes mês passado, mas ela os pegou com o carro velho barulhento dela e queimou as cartas que Vegas escreveu pro pai. Dessa vez iria ser diferente, tinha que ser diferente ou talvez Vee e seu irmão aparecesse no noticiário depois que a mãe colocasse fogo na casa com os dois dentro. Ele acreditava que se o pai soubesse que ela é difícil, que ela é agressiva e faz coisas erradas com aqueles caras estranhos, ele lutaria por eles, mais do que estava lutando.

– Quando ela abrir o quarto, ela vai vir atrás de nós. – Macau comprime os lábios, movendo os dedinhos presos aos dedos de Vegas, o rosto desanimado.

– Vamos fazer a rota que aprendi quando vinha da escola esse mês. – Vegas tenta tranquilizar ele, tirando uma lanterna do bolso.

– Se a diretora da escolinha tivesse acreditado em mim... – Macau abaixa a cabeça, triste, e Vegas logo o segura pelo o ombro e acaricia o topo da cabeça dele.

A Star Falls #VegaspeteWhere stories live. Discover now