1. A VIZINHA DO PRÉDIO AMARELO

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- Renuncio ao direito de um advogado – falo assim que me tiram da cela fétida e me sentam diante de um defensor público.

- Renuncia? – o velho careca com óculos de tartaruga ergue as sobrancelhas. Seu nome é Lancelot Oliver, defensor público.

- Irei colaborar para que seja tudo esclarecido – olho das algemas e meus pulsos para os olhos dele.

- Sabe o que um advogado de defesa pode lhe poupar? Anos de liberdade – diz ele, como se acreditasse na no fundo que eu não fosse um sociopata.

- Sejamos francos senhor – encaro seus olhos aquosos – Eu sou um assassino e estou aqui de livre e espontânea vontade. Chame o promotor.

Como se estivesse engasgando com fel, o senhor Lancelote saiu da mini sala de interrogatórios e um tempo depois, o senhor Damiano, investigador da polícia, sentou-se do outro lado da mesa e ligou um rádio gravador.

Para minha surpresa, não era um velho mocoronga como o advogado, mas aparenta ter a minha faixa etária.

- Nome completo e idade – diz ele.

- Gregório Owen Horan, 27 anos – respondo.

- Senhor Horan, o senhor confirma a revogação de um defensor público? – indaga ele colocando uma pasta fina sobre a mesa.

- Sim – falo e escoro minhas costas na cadeira – Estou pronto para relatar todos os homicídios.

- Certo – diz ele e abre uma basta fina que havia levado consigo abrigando alguns poucos documentos que havia dentro – Ontem a noite o senhor passou por algumas avaliações psicológicas, sabe o diagnóstico?

Continuo quieto o olhando com desdém e confirmo com a cabeça esperando que ele diga em voz alta.

- Sociopatia adquirida – ele lê o torna a me fitar – Mas não quero me prender neste diagnostico, mas tão somente nos fatos.

- Então, quer começar desde o início? – rio insipidamente para esconder o ácido queimando em meu estômago.

- Quero que comece por Havannah Anami – diz ele como se fosse óbvio, e por algum motivo que não compreendi – E quando terminar, os detalhes sobre como matou as outras garotas será de grande utilidade para encerrarmos o caso.

Engulo em seco, chocado pelo fato de sentir o pavor de começar por minha louca fissura por Annah.

É graças a ela que eu estou aqui.

- Havannah não sabia quem eu era – digo rapidamente – Ela é pura e boa.

- Por que a poupou? – indaga ele cruzando os braços, um olhar como se eu fosse um alienígena.

- Eu a amo – rio.

Lancelot continuou me encarando, pasmo.

- Eu havia me mudado de Jacksonville aqui para Sea Ranch Lakes a cerca de dois meses após o ocorrido com Dália e todos estavam frenéticos com o desaparecimento da garota.

Eu fiz as malas, peguei um ônibus e procurei um bairro discreto, foi quando encontrei o Paloma Dean, cercado por parques, árvores, minúsculas cafeterias, conveniências e último ano trabalhei em um açougue tratando dos cortes das carnes em frigoríficos, e quando cheguei e me deparei com um açougue minúsculo e indefeso no fim da rua, ofereci meus serviços e logo fui contratado para vender carnes baratas e cuidar do frigorifico pequeno e terrível.

Era a segunda semana de verão de agosto quando conheci Havannah. Eu estava atacando um pedaço de carne quando escutei uma voz risonha e segura vindo da frente fazendo-me esgueirar até a porta para ver de quem se tratava.

A vi bem rápido, quando já estava saindo porta a fora com sua encomenda na mão esquerda e as madeixas de cabelo escuro voando contra seu ombro levemente rosado.

- Quem era? – indaguei a Antoin, meu colega do caixa.

- Ah, parece que é uma nova moradora do bairro – ele deu de ombros me olhando com sua cara gorda – Se chama Annah.

Moradora do nosso bairro. Parecem palavras de sina para me destruir.

Retornei de volta ao frigorifico e ataquei aquele pedaço de carne com a mais insana das vontades.

A noite após o expediente, sentei-me em um dos bancos da praça de frente para os prédios coloridos e corri os olhos pelas janelas do meu prédio. Soprei a fumaça no ar e tentei afastar dos pensamentos a ideia tola de que conheceria aquela garota.

Mas então, aquele prédio amarelo e decadente, localizado entre uma floricultura e uma loja de roupas falida, chamou minha atenção.

Uma das janelas do sexto andar se abriu uma figura pálida apoiou com cotovelos sobre o batente com um cigarro entre os dedos. Era quase uma blasfêmia sua presença naquela velharia, mas ao mesmo tempo, parecia tão certa de si e em paz.

Tentei me erguer para ir ao prédio quando começou a chover, mas estava hipnotizado, e mesmo quando a chuva a fez fechar a janela e começou e me enxarcar, continuei vidrado em sua figura andando pelo quarto, de camiseta e shorts azuis com seu cigarro e os cabelos presos em um rabo de cavalo.

Até que ela fechasse as cortinas, colocando limites para quem poderia ter acesso a si mesma.

Após ter dominado um pouco da compostura, corri envergonhado para meu prédio e entrei no elevador dando desculpas aos meus vizinhos pelo meu estado decadente, mas francamente, eu poderia estar pingando a sangue que talvez fosse acolhido com gentileza.

Diferente da minha antiga cidade, não havia completa falta de confiança entre os moradores, mesmo que eu fosse um recente forasteiro entre eles.

E aqueles olhares me fizeram refletir por muitas horas sobre tentar apagar da memória o feitiço que senti ao ver a vizinha do prédio amarelo, mas no fundo, sabia que seria em vão.

Pois oque um psicopata escravo da paixão poderia fazer a respeito de alguém que estava tão próximo de suas garras?

PREDADORWhere stories live. Discover now