2. UM CAFÉ

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Apesar do meu desejo imprestável de rondar a garota que eu mal sabia o nome, mantive-me afastado por dois dias, até que o terceiro, a volta para casa após o trabalho, o céu que antes estava límpido, transformou-se em negritude e uma tempestade terrível que não condizia com o inverno caiu sobre a cidade.

Faltava cerca de um quarteirão até meu prédio quando comecei a correr junto a algumas pessoas em direção a uma cafeteria para me abrigar por alguns instantes, quando alguém tombou em mim e caímos cada um para um lado.

Após recuperar o fôlego devido a queda subida de costas, enchi os pulmões e ergui a cabeça para ver se a outra pessoa estava consciente. Limpei os olhos molhados com as mãos e ali estava ela. Encharcada e com um olhar um tanto impetuoso para quem havia acabado de socar o corpo contra o meu.

Ainda que sem a intenção de se desculpar, até mesmo cm um gosto de irritação nos lábios, ela estava em choque e não fez esforço para se erguer do chão com pressa. Enfiei as mãos abaixo se seus braços e a ergui na calçada inundada.

Perguntei se estava ferida, e após responder que não tremendo os lábios de frio, corremos para dentro da cafeteria. Devido nosso estado precário, obviamente decidi permanecer perto da porta, mas a garota simplesmente adentrou na cafeteria como se estivesse seca.

Caminhou direto em direção ao balcão, fez um pedido e sentou-se ao redor de uma mesinha de madeira livrando-se do casaco encharcado e dos sapatos, matando literalmente todos os olhos ao redor.

Então ela olhou em minha direção e ergueu as sobrancelhas como um convite para que me juntasse a ela. Com a cara de tacho, esgueirei-me até a mesa e sentei-me a sua frente.

- Pedi um café para você para compensar o transtorno – disse ela tentando secar as pontas do cabelo negro com alguns lenços.

Continuei paralisado observando como era autentica e cálida com a pele rosada, os olhos redondos e negros como os de uma boneca, e os traços meigamente delicados. Em controvérsia e perfeitamente atraentes, algumas tatuagens se espalhavam por sua pele como enigmas.

Algumas letras no pescoço, luas e águas vivas nos braços e uma data em seu punho direito.

- Bebe café ou me enganei? – indagou encarando-me.

- Certamente – respondi – Obrigada.

- Pedi sem açúcar e com leite e creme separados – comentou levando massageando um pouca a cabeça.

- Se feriu? – indaguei, permitindo-me até então também sentir as dores nos braços e cabeça causadas pela queda.

Mas ela ignorou minha pergunta e encarou criticamente e sem interesse o restante das pessoas no salão, que felizmente haviam desistido de nos assistir como se fossemos pobres desafortunados.

- A maioria deles parece temer qualquer tipo de personalidade e temerem coisas mutáveis não acha? – comentei – Mas isso mantem sua mente segura.

Anna apenas me lançou um olhar de quem havia sido condenado as minas, e não disse nada. Tomamos nossos cafés em silêncio e quando a chuva amenizou, caminhamos a longos passos em direção a nossas casas.

- Moro nesse aqui – disse ela apontando para o prédio amarelo da calçada.

- Moro nesse ali – apontei em direção ao prédio verde, do outro lado da rua.

- Oh... – ela deu um meio sorriso – Somos vizinhos então.

- Parece que sim, bem... Até mais ver – apressei-me em me afastar de seus olhos e de sua cintura.

- Espere – disse ela – Como meu vizinho se chama?

- Grego – respondi dando uma leve olhada por cima do ombro – E você?

- O que é um nome afinal? – então ela deu de ombros – Se nos esbarrarmos novamente talvez eu conte.

Indiferente ao fato de que havia feito eu sentir que foi importante dizer meu nome, ela deu as costas e andou em passinhos leves em direção ao prédio.

Totalmente excêntrica e viciante.

Sem conseguir exatamente me conter nos próximos dias, a vigiei discretamente pela minha janela sempre que podia e descobri seus horários. Sai pela manhã as oito em direção a biblioteca municipal e retornada por volta das cinco.

As vezes parava em um café, ou em um restaurante antes de ir para o prédio, e aos sábados gostava de frequentar barzinhos locais com um grupo de amigas, algumas bem fodidas e outras de índole tranquila.

Todos a chamavam de Annah, mas parecia um nome comum demais para ela, com seus olhos que beiravam a audácia e a solidão.

E que precisavam ficar longe de mim e dos meus pensamentos de desejo. 

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