Capítulo 68

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Kauã

-Como pegaram? - Falei entredentes, sentindo a pontada de ódio em minhas entranhas.

-Eu não sei - Spike respondeu, nervoso. - Não sei cara, não sei, oque eu sei é que minha casa foi invadida e pegaram esse caralho.

Suspirei fundo e encarei o Sidoka. Ele assentiu devagar, algo que nós três entendemos oque significa. Agora, todos com expressões impassíveis.

-Tu só tinha uma responsa, UMA RESPONSA, PORRA.

Antes de alguém poder falar, Senegal entrou na sala sem bater na porta, com os olhos arregalados.

-Qual foi? - Perguntamos em uníssono.

-Oi KJ. - Disse o capitão Farias. Puxei o ar profundamente. Puta que pariu.

O Capitão Farias pode até ser um bom capitão, um bom chefe e um bom homem. Ele mantém nosso acordo de paz entre favela e polícia.
Segundo ele, para evitar mortes desnecessárias.

É um contrato.

Que foi quebrado.

-Sempre bom vê-lo, capitão. - Um esboço de sorriso sarcástico surgiu em meus lábios. - Oque o traz aqui?

-Você não é burro, KJ, é muita coisa, mas burro não é - Ele deu uma pausa, coçando o pescoço. - Ou talvez seja.

Meus dentes se apertaram, travando minha mandíbula.

-Uma agente federal, KJ? - Perguntou, agora impassível. - Isso não faz parte do acordo e eu vim avisar isso, avisar que a parceria acabou. Não podemos continuar com isso.

-E oque nos impede de te matar agora? - Sidoka cuspiu as palavras, tenso, embora tentasse se manter impassível.

O coronel me fitou, ignorando quem falou, embora respondesse a pergunta.

-Você não é um cara mal, KJ, não é. E eu disso porque te conheço desde que tu era novinho - Eu continuei encarando-o, com uma máscara de alguém que não liga. - Não vai me matar e cometeu uma puta burrada, tem sorte de que ainda não seja a polícia subindo no teu morro, até o exército, KJ, essa porra é séria e eu sei que eles estão vindo e eles não vão descansar, ELE não vai parar até que você esteja preso... ou MORTO. Uma guerra tá vindo, KJ e agora ela tá mais próxima do que você pensa, garoto.

Nesse momento, eu não tive reação. Oque eu ia pensar? Fazer ou simplesmente dizer?

O Senegal, Sidoka, Spike e até o coronel começaram a falar juntos, a conversar, mas, na minha cabeça as palavras começaram a se embaralhar.

Eu não posso morrer. Não posso ser preso. Não posso deixar Alice morrer. Eu não posso perder.

Não posso.
Não posso.
Não posso.

A ideia do pior se enroscava em minha mente como uma cobra. Levantei a cabeça, encarando os homens a minha frente discutindo.

-Temos que encarar essa guerra - Eu disse, firme e alto o suficiente para silenciar a sala. - Você tá certo, coronel, a guerra está batendo na porta e eu não tenho como fugir e acredite, eu nunca fujo de uma guerra. Mas, pode haver algo que tu não sabe.

-E oque é? - Perguntou, levantando uma sobrancelha.

Estou acostumado com o coronel. Desde criança o via conversando com meu pai, ele sempre foi um bom homem, pensando nos "favelados imundos", como a milícia e grande parte da população se refere a nós. Por isso ele mantém a paz.

Se não fôssemos tão diferentes, podíamos nos considerar amigos.

-Que o Luiz Almeida não só quer me fazer pagar, ele também quer um extermínio. Acha que eu não sei das invasões programadas? Do extermínio do povo da favela que vão fazer? ACHA QUE EU NÃO SEI, PORRA? Mas, quando é com um de vocês, você não traz seu discurso de que a vida do meu povo vale mais que o dinheiro, que o poder... Não é mesmo?

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