O perfume dos espinheiros ainda entrava pela janela do atelier privativo da mansão Sinclair naquela manhã. Lady Rose viu-se surpresa por encontrar monsieur Devereaux já tão cedo, com tudo em seu devido lugar, preparando sua tela e seus pinceis de pelo de marta, alinhando suas tintas, cujo aroma misturava-se ao da natureza.
Ouviu pássaros ao longe, o leve balançar das folhas, apreciou o frescor do amanhecer no interior inglês e deleitou-se com a visão do rapaz: o sol brincava com os tons loiros de seus cabelos, a gola engomada roçava na altura do queixo e o tornava rosado, a maneira angulosa com que as maçãs se desenhavam faziam-no ter um brilho etéreo, sempre presente, especialmente quando seus lábios se abriam em um sorriso gentil.
Recebeu-a de tal forma quando percebeu o farfalhar das saias de seu vestido amarelo se aproximando.
— Lady Rose, é um prazer tê-la em meu atelier. — Olhou ao redor. — Quero dizer... o atelier de seu primo, em sua mansão, mas que também me pertence... não, espere, seu primo não me pertence, refiro-me a esta sala... — mordeu o lábio — que também não me pertence.
Ela riu de seu nervosismo, da maneira honesta com que as palavras escapavam e como as mãos se apertaram diante do corpo.
— Este atelier está sob minha responsabilidade, tal qual vosso retrato. Estou ansioso para começarmos.
Viu-o de bochechas vermelhas, mas havia sinais escuros sob seus olhos. Sorriu, para retribuir a gentileza, porém questionou:
— Teve bom descanso, monsieur?
Os cílios de Gaspard tremerem momentaneamente.
— Bem... em parte, sim, milady. Agracia-me com tal pergunta.
— Não acho que o faço, pois delato que vejo em seu olhar que não teve sonhos tranquilos.
Engoliu em seco. Como era fácil ler as expressões de monsieur Devereaux. Algo puramente francês, talvez? Não. Lembrava-se de sua primeira viagem ao continente e as pessoas ali não se assemelhavam a ele.
Era algo do próprio Gaspard, percebeu. A incapacidade de esconder o que sentia e de ser desagradável. Satisfez-se em saber, ao menos, que teria grandiosa companhia para conversar durante a pintura de seu retrato.
Seria doloroso — quase tortuoso, quiçá — ter de ficar imóvel diante dele sem nada lhe dizer.
— É... peculiar, milady, adormecer em um novo país — justificou em meias-verdades que fizeram-na estreitar os olhos. — Mas irei me acostumar, isso lhe garanto!
Não lhe cabia pressioná-lo por mais informações que pudessem dizer respeito ao que lhe perturbou, ainda que desconfiasse sabiamente...
— O que precisar, pode pedir — disse, pois então.
— Agradeço-lhe, milady.
Os olhos da garota correram rapidamente e o arredor, desde a tapeçaria que formava o fundo de sua pintura até a cadeira na qual deveria se sentar. Percebeu que era uma das que encomendou para a sala esmeralda, com brocado prateado e bordado de camurça em tons de creme.
— Isso... — pontuou, indicando a mobília — ...já estava aqui, antes?
Novamente, o rosto de Gaspard assumiu um tom rosado adorável.
— Oh, não, lady Rose, eu pedi que trouxessem, esta manhã — explicou.
Viu-a franzir o cenho, um leve vinco entre sobrancelhas tão finas.
— Acordou verdadeiramente proativo, monsieur.
— Depois de uma noite difícil, achei que seria... — deteve-se mordendo a própria língua.
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Os segredos que escolhemos guardar
Historical FictionEm 1823, as normas sociais ditavam que o amor entre dois homens era punível com a morte. Apesar das probabilidades, Gaspard Devereaux, um jovem retratista francês, apaixona-se profundamente por James Sinclair, o terceiro visconde de Castlereagh, que...