Capítulo XXI - A introspecção de um cavalheiro

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Era sua culpa. Tudo a respeito do que se desenrolava dentro dele só poderia ser culpado nele próprio. O visconde tinha perfeita consciência da natureza de suas preocupações, e ainda que não fosse tão introspectivo quanto aparentava, não conseguiu evitar de considerar, entre o trajeto de sua mansão até o vilarejo, certos pensamentos.

De onde vinha sua violência? Essa era uma resposta fácil de desenrolar: vinha da própria vida, daquela existência maldita em que não poderia ser quem realmente era, e dos sacrifícios que tinha de fazer para poder suportá-la.

Mas de onde vinha sua atração para com monsieur Devereaux? Essa, por sua vez, era muito mais complexa de elaborar. Sabia algumas coisas, até então: seu jeito genuíno de existir e de ver a vida o cativaram, a princípio, e os traços delicados o colocaram em uma posição tentadora em seu subconsciente, mas ia além...

Tinha de ir...

Afinal, como poderia se atrair tanto por alguém que conheceu em tão pouco tempo? Como podia sentir que sua existência seria ainda mais vazia e terrível se não o visse mais? Há certas coisas, no entanto, que lhe escapavam o controle.

Maldito desgraçado, fica esfregando na minha cara o que não posso comandar...

No entanto, poderia controlar seu coração. Um amor, se é que um dia seria capaz de nutrir algo tão genuíno, não existiria para cavalheiros que se atraíam a outros cavalheiros. Teria de nascer nas sombras, se espalhar pela escuridão, render-se aos segredos mais sórdidos que sempre estariam ameaçados de vir à luz.

Era conviver com a possibilidade de uma dor ainda pior do que aquela que já sentia, e aquela que gostaria de infligir em monsieur Devereaux, mais uma vez.

Teria de se controlar, amaciar o ego inflamado e as precauções que tomava para que ele próprio não se perdesse no animal que havia dentro de si. Na criatura feia que em nada combinava com Gaspard ou Rose.

Eles sabiam que estavam vivendo junto de um monstro? De um ser que nunca amaria, pela possibilidade de se ferir além do tolerável? Morrer por amor, que decisão patética. Mas seria, realmente, uma decisão?

Seu olhar sempre transcorria um caminho onde as rédeas estavam em suas mãos, porém Gaspard enxergava a vida quase como um corcel indomável, que seguirá ao rumo que deseja independente de quem o monta.

Pode até derrubá-lo, quem saberia dizer?

James Sinclair, no entanto, não se daria o luxo de arriscar. Aproveitaria da carne de monsieur Devereaux, da jovialidade de seus gemidos, do seu traseiro apertado e delicioso de rasgar e alargar, e depois lutaria para seguir em frente como um ermitão solitário.

Sim. Preferia a certeza de alguns momentos felizes, antes de seguir a uma vida previsivelmente decepcionante. Era melhor do que tentar amá-lo e viver sob segredos que poderiam ser usados contra eles.

O próprio amor lhe viraria as costas, se precisasse.

No fim, pouco importava, uma vez que sua morte chegasse todos os bens e os títulos passariam a fazer parte do Tesouro de Nossa Majestade, e Castlereagh passará a ser apenas uma lembrança distante. Não teria herdeiros, porque um homem não poderia fertilizar outro, e tampouco sentia-se no desgosto de amarrar-se a um casamento inútil com uma mulher de cabeça avoada, que perguntá-lo-ia o que achava do papel de parede esmeralda em sua mansão...

É um belo papel de parede, lembrou do retratista tentando ser agradável.

E o senhor é um belo mentiroso, pensou, agora, em uma sensação quente e estranha. Estava... estava revivendo um momento com saudosismo? Oh, céus... onde estavam seus escrúpulos?

Os segredos que escolhemos guardarWhere stories live. Discover now