— Milorde? — A voz do mordomo-chefe soou na entrada do escritório do visconde, que ergueu o olhar do arrendamento que analisava entre as anotações de seu administrador. — O senhor Devereaux está aqui.
— Ótimo — fechou o documento e ajeitou sua postura em sua cadeira, apoiando as mãos enluvadas sobre o tampo da mesa. — Peça-o para entrar.
Com uma mesura e alguns segundos depois, Gaspard surgiu diante dele, um olhar hesitante, tímido e temeroso, que imaginava por qual razão teria sido convocado tão de repente, antes do almoço.
— Milorde — cumprimentou-o sem sorrir.
Queria vê-lo sorrir, não queria?
— Soube que assistiu minha prima tocar — comentou. — Ela é tão catastrófica a ponto de nossos tímpanos estarem em perigo?
— Lady Rose é excelente em sua harpa, não há um único defeito em seus modos — respondeu, tão sério quanto antes, como se não percebesse o tom zombeteiro do visconde.
Talvez fosse justamente isso. Não poderia culpá-lo, afinal, leveza não era uma palavra que costumava acompanhar qualquer interação com ele.
— Tem razão, e levo minha prima em grande estima, perdoe-me pelo comentário de mal gosto — lamentou entre um suspiro, erguendo-se.
— Acredito que me trouxe aqui por um motivo, milorde.
Castlereagh estreitou o olhar e cruzou os braços.
— Oh, sim? E que motivo seria? — quis saber, deliciando-se com a arte de Devereaux de sempre criar suas próprias suposições.
— Que deseja tomar-me sobre esta mesa?
A ideia fez um arrepio descer de seu pescoço até o membro, despertando-o brevemente. Porém, não era hora para tal, por mais deliciosa que fosse a concepção de devorá-lo sobre seus documentos.
Um alívio para os deveres mais enfadonhos. Quiçá, nos divertimos em outra oportunidade...
Porém, sombriamente, recaiu sobre ele que as oportunidades com Devereaux seriam limitadas, considerando o tempo que prestaria seus serviços para a família, e que cada momento perdido poderia nunca retornar...
Ainda assim, controlou-se — como um homem, não um mero menino pronto para jorrar suas sementes a qualquer instante e em qualquer coisa — e respondeu:
— Oh, se tivéssemos tempo uma distração tão deliciosa... — Sorriu, ardiloso, os caninos saltando momentaneamente sobre o lábio conforme o umedecia com a ponta da língua.
Entre o rosar das bochechas de Gaspard, notou-o franzir o cenho, intrigado.
— Qual o motivo de meu chamado, milorde?
— Não poderia querer apenas vê-lo?
Seus lábios se entreabriram. James cerrou os punhos na impossibilidade de puni-lo, diante o que precisava ser feito.
— Se assim o fosse, o faria no almoço, que em breve será servido — pontuou, astuto. — Há algo que precisamos falar a sós?
Castlereagh estreitou o olhar e apoiou a cintura contra a mesa, conforme as pernas se alongavam e os tornozelos iam um sobre o outro, braços ainda cruzados, mas um olhar inteiramente novo fruto de uma admiração sincera.
Surpreendia como a jovialidade do rapaz trazia consigo um intelecto e uma percepção do mundo de maneira tão assertiva e clara. De fato, os atos recentes comprovavam uma ligação íntima entre eles que se ramificava perigosamente dentro deles e de suas calças, mas fora isso... perceber o prazer em os ter a sós, em seu olhar...
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Os segredos que escolhemos guardar
Historical FictionEm 1823, as normas sociais ditavam que o amor entre dois homens era punível com a morte. Apesar das probabilidades, Gaspard Devereaux, um jovem retratista francês, apaixona-se profundamente por James Sinclair, o terceiro visconde de Castlereagh, que...