Capítulo XXV - Repentina e irrefreável mudança

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Era a irracionalidade mais absurda desejar ser arruinado por um visconde?

A pergunta não parecia precisar de qualquer resposta, uma perfeita retórica após o jantar na mansão Sinclair, que aconteceu sem qualquer comoção da parte deles. Rose falava animadamente sobre como o jantar com o conde de Kent poderia ser um bom começo para sua empreitada casamenteira, e garantiu a Gaspard que naquela noite não haveria cavalheiros indecorosos que derramariam qualquer bebida em seus trajes.

Trajes estes que ainda teriam de escolher...

O que estaria à altura de um jantar como aquele? O que não estaria com as mangas tão puídas e os ombros desalinhados? Tinha de ser grato pelas suas feições atraírem os olhos de Sinclair por seu desejo por cavalheiros, mas seu charme não seria aplicável a Kent.

Ele era casado. Terrivelmente apaixonado por sua esposa.

Mas desde quando começou a ver um sentimento tão gentil como terrível? Que indecoroso descrever assim, especialmente quando Rose fez questão de mencionar que o conde de Kent já deveria ter tido uma amante ou outra, pelo tempo de seu matrimônio, mas que isso nunca aconteceu.

— Ele pode apenas ter sido deliberadamente discreto, minha prima — ponderou Castlereagh, é claro. — Se for trair, faça-o direito para não ser descoberto.

— Uma mulher sempre descobre — rebateu com o queixo erguido, altiva. — Podemos até ignorar o fato, mas o teremos em mente.

— Ignorar algo assim não seria... cruel? — quis saber Gaspard, arriscando entrar em uma conversa da qual nada sabia.

— Casamentos não nascem do amor, por aqui — recitou ela, como se já o tivesse feito para si mesma diante o espelho de tal forma a dissuadir qualquer ideia contrária que pudesse ter pensado. — Jovens precisam assegurar uma boa vida, e isso não acontece sem um título. Cavalheiros precisam assegurar um herdeiro, e isso não acontece sem nosso ventre.

Castlereagh parou de cortar o fígado em seu prato, movendo-o para o canto com uma expressão puramente desgostosa que fez Gaspard sorrir com o canto dos lábios, desviando o olhar rapidamente antes de volta-lo a Rose, que seguiu:

— Se eles podem ter amantes, nós podemos ter a decência de gastar até eu último penny. É uma troca injusta? Sim, mas nunca esperei justiça em um casamento do qual não terei amor.

Foi quando ela deixou sua cidra sobre a mesa com um estalido enfático, que fez a leveza em seu rosto desaparecer.

Quiçá estava aquela entre as definições de loucura de uma vida: entregar-se à conveniência de algo seguro, mais do que arriscar o incerto. E estaria ele em posição de a julgar? Certamente não.

Porém, o faria consigo mesmo.

Naquele dia, mais uma vez, tivera o membro do visconde em seu corpo. Colocara-o na boca, sentira seu poder, a dor em sua garganta ao engolir era uma comprovação de que o trabalho fora bem executado, no entanto... o que mais lhe marcara...

Gaspard sentou-se sobre o beiral de sua janela e tocou os lábios, recobertos por filetes de prata do luar que iluminava sua visão de um campo adormecido, onde a brisa serpenteava pela relva e os pássaros adormeciam em ninhos.

Ele beijara James Sinclair, e recebeu a punição por isso. Não foi somente física, quando o visconde empurrou sua cabeça contra os tijolos e olhou-o furioso, mas também, sentimental.

Era a última coisa que desejava que acontecesse, porém com aquele toque, com o desbravar de sua língua em sua boca, marcando-o com seu gosto, acessou uma nova perspectiva do visconde. Aprendeu a enxergá-lo de outra forma, tal que, entre a fúria que o fazia pressionar seus dedos contra seu pescoço, notou o estremecer de seu queixo, a dúvida que se desenhava nos músculos da face, como se também estivesse considerando assimilar a sensação.

Os segredos que escolhemos guardarWhere stories live. Discover now