Capítulo 19

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Severus retornou para o bosque lenta e tristemente. Por mais que não estivesse lá para testemunhar, sabia exatamente o que Harry faria em seguida. Correria de volta para casa, pegaria o cavalo no pequeno estábulo do chalé e partiria. Galoparia furiosamente pela floresta e pela estrada que levava diretamente para o castelo. Não pararia para pensar no que as tias diriam quando descobrissem que partira. Não pararia para pensar por que Severus teria mentido para ele. Nem sequer pararia para pensar no que o pai diria quando ele chegasse aos portões do castelo. Apenas cavalgaria, com lágrimas correndo pelo rosto.

Ele pensaria, sim, no fato de ter um pai. E uma mãe. E de ser um principe. Nessas coisas, ele pensaria. Muito. De forma que, ao chegar ao castelo, parte de sua raiva seria substituída por ansiedade. Afinal, estaria prestes a conhecer sua família. E por mais que Severus não estivesse ali para testemunhar o reencontro, ele também fazia alguma ideia de como ele seria. O rei James veria Harry e, a princípio, pensaria que se tratava de apenas um campones. Afinal, ele, que se concentrara mais em Severus e em seu medo egoísta, não pensava no filho havia anos, e ele não estaria vestindo um vestido digno da realeza. Em seguida, quando ele lhe dissesse que era seu filho e tentasse abraçá-lo, ele o seguraria a um braço de distância, tentando ver se, de fato, ele era sua carne e seu sangue. Quando concluísse que ele era, ele se suavizaria, mas apenas um pouco. Severus odiava pensar nele se emocionando, mas precisava acreditar que ele tinha algum coração debaixo de toda aquela paranoia e armadura.

Depois, Severus imaginou, ele diria a Harry o quanto ele era belo, como a mãe dele. Mas a sua afetuosidade paterna só iria até ali, pois rapidamente perceberia que Harry chegara um dia antes e as fadas não cumpriram o dever delas. Perceberia o que aquilo significava: que a maldição ainda poderia atingir seu recém-chegado filho. Entraria em pânico e ordenaria que Harry fosse levado a um local seguro onde seria forçado a permanecer até o dia seguinte. Harry não teria oportunidade de discutir, mas, antes de ser levado perguntaria sobre a mãe. E James ignoraria a pergunta, deixando a um guarda infeliz a incumbência de contar a notícia que se espalhara pelo reino: que a rainha morreu.

Era assim que tudo aconteceria, Severus refletiu, sentado no bosque, com a luz do dia começando a sumir ao seu redor. Subitamente, sentou-se mais ereto. Entretanto, não tinha que acontecer daquela maneira. Não se conseguisse chegar ao chalé antes que Harry partisse, e o convencesse a ficar. Deu um salto, correu pelos Moors, atravessou a Muralha e abriu caminho até a clareira na floresta. Invadindo o quarto de Harry, encontrou-o vazio. Estreitou o olhar.

_Aquelas tolas! – exclamou. Elas não o detiveram! Como puderam deixá-lo partir quando o que o esperava no castelo poderia feri-lo? Ouvindo o gralhar de Sirius, Severus se virou e o viu empoleirado na janela. Acenando, transformou-o em homem e esperou o seu relatório.

_Encontrei o rapaz – disse ele. Severus assentiu.

_Mostre-me – ordenou.

Juntos, saíram do chalé e entraram na floresta. Não precisaram ir muito longe. Draco estava nas proximidades, seguindo na direção do chalé sob expectativas de ver Harry novamente. Dando um passo à frente, Severus viu Draco notar seus chifres e as vestes longas e negras antes de empalidecer. Mas ele não recuou. Em vez disso, pousou a mão no cabo da espada e enfrentou o olhar direto de Severus. A despeito de si mesmo, Severus se impressionou.

_Estou procurando um garoto – ele disse.

_Claro que está – ele respondeu.

Draco estava prestes a perguntar como o homen chifrudo sabia disso quando Severus pegou uma flor amarela do bolso e soprou seu pólen na direção dele. Em instantes, ele estava adormecido. Tendo cuidado disso, Severus olhou ao redor. Agora precisava de um meio rápido de chegar ao castelo.

_Preciso de um cavalo. – Seus olhos se depositaram em Sirius empoleirado numa árvore. Ele sorriu. Isso poderia funcionar.

Momentos depois, conforme o sol começava a descer no horizonte, Severus galopava pela estrada sobre o lombo de um lindo e veloz corcel de pelos negros. Levava um adormecido Draco na frente dele enquanto eles viajavam até o castelo. A cada passada larga de Sirius, o cavalo, eles se aproximavam mais e mais. E a cada passada larga, Severus ficava mais e mais preocupado. O sol já estava quase sumindo. Era hora de correr… e rápido. Enquanto Severus corria em direção a Harry, ele sentia a presença do garoto ficando cada vez mais forte. Todo aquele tempo juntos criou um elo invisível e mágico entre os dois. Isso permitia a Severus sentir onde Harry estava e como se sentia. Naquele momento, ele quase conseguia ver Harry em seu quarto no castelo, andando de um lado para outro diante da porta. Não podia estar feliz, uma vez que terminara por acabar como prisioneiro após ter percorrido toda aquela distância. Por isso, quando uma criada batesse à porta, Harry a abriria de boa vontade.

Ignoraria a outra moça quando ela dissesse algo tolo como: “Este quarto é para quando o principe voltar; ninguém deve ocupá-lo”. Harry veria sua chance e, sem se importar em corrigir a criada, passaria por ela correndo. E seria então que ele sentiria pela primeira vez uma dor estranha na ponta do dedo. Uma dor que ele desesperadamente gostaria que sumisse. Ele não seria capaz de explicá-la e seus pés continuariam a se mover na direção de um destino desconhecido. Na estrada do lado de fora do castelo, Severus também sentiu a dor no dedo. Mas, ao contrário de Harry, ele sabia o que aquilo significava. Significava que a maldição estava ficando mais forte conforme a hora de se concretizar se aproximava. E até que essa hora chegasse, Harry andaria pelo castelo inteiro à procura da única coisa que aplacaria aquela dor: uma roca de fiar. Ele entraria na lavanderia, na qual haveria uma comprida mesa para as costureiras, mas onde não veria nem agulhas nem fios. Seu dedo latejaria mais do que nunca, e ele seguiria em frente, desesperado para encontrar aquilo que estava procurando, mas sem conseguir nomear o que era.

Sabendo que tudo isso estava acontecendo, Severus apertou as pernas, incitando Sirius a ir mais rápido. Alguns minutos mais tarde, chegaram à periferia do reino. Subindo uma colina, Sirius se empinou ante a estrutura agourenta que surgiu diante de suas vistas. Aquela era a primeira vez que via o castelo em quase dezesseis anos. Já não era mais o belo castelo de outrora. As pedras azuladas foram cobertas totalmente por ferro, tornando as paredes impenetráveis. Espetos de ferro de aparência horrível elevavam-se dos parapeitos e das torres e, ao longo dos baluartes, soldados com armadura de ferro andavam de um lado para outro portando armas de ferro. O rei James fizera tudo ao seu alcance para tornar aquele castelo à prova de Severus. Agora, olhando para ele, Severus percebia que ele realizara seu trabalho completamente. Seria quase impossível para ele entrar. Mas quase impossível e impossível eram duas coisas diferentes, e ele ainda não estava disposto a desistir. Além disso, mesmo se não conseguisse entrar, Draco poderia. E era só isso que ele precisava.

Bem nessa hora, Severus sentiu o ar mais frio. Com uma sensação de terror, ele se virou e se voltou para o horizonte a oeste. O tempo chegara ao fim. Enquanto ele observava, o sol se punha cada vez mais baixo no horizonte, os últimos raios espalhando seu calor fraco sobre as terras. Então, bem quando os raios desapareciam por completo, Severus sentiu. Uma dor profunda dentro de si aumentou e aumentou e depois explodiu, fazendo com que ele gritasse.

_Acabou – ele disse com voz sofrida. A maldição fora concretizada. Em algum lugar dentro daquela fortaleza de ferro, Harry encontrou uma roca de fiar e espetou o dedo no fuso. E, em algum lugar ali dentro, ele jazia num sono que duraria por toda a eternidade. A menos que…Severus olhou para Draco. Incitando Sirius, ele correu na direção do castelo, segurando a última esperança de Harry com cautela diante dele.

The Sleeping Beauty - DrarryWhere stories live. Discover now