Não Existe Alguém Como Eu

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Enquanto garimpou os livros na biblioteca real e passeou pelo jardim 10 dias se passaram, tão rápido que mal percebeu, o incidente com a adaga e a maçã parecia ter sido esquecido, mas Reed aparecia para vê-la todos os dias, como um maldito encosto. Se portando de forma educada e simples, como um soldado comum e Naiáde apreciou já que sempre esteve mais acostumada com soldados do que com nobres. As vezes se divertia pregando uma peça ou outra mas nunca se aproximou mais do que deveria. A última coisa que precisava, sendo refém em uma terra estrangeira, era ser acusada de algo, devida ou indevidamente, estava sendo tão cuidadosa como jamais foi em seus anos na terra.

- Recebi uma carta essa manhã.- disse Naiáde sentada no banco perto da macieira, Reed estava alguns passos de distância, em sua pose habitual encostado em uma árvore.- Meu irmão chegou em casa.- completou fitando as janelas do segundo andar do castelo.

- Não parece aliviada, senhorita. Não era isso que estava te mantendo preocupada nos últimos dias ?- questionou olhando-a, Naiáde encarou aqueles brilhantes olhos castanhos, não era adequado para uma mulher se comportar de tal forma, deveria ser recatada, e nunca encarar tão escancaradamente, mas quem se importaria com aquelas regras ultrapassadas, certamente não ela. Talvez por isso ainda não havia se tornado esposa mesmo já estando na idade, Otto não conseguiu um pretendente que a aceitasse.

- Estou sim, mas não era o único problema. Não sei como ficará minha situação com Sua Majestade, ainda tenho um pouco menos de 20 dias de prazo seguro, mas depois disso é um mistério, não faço ideia do que vai acontecer.- disse desviando o olhar que parecia preso ao dele todas as vezes, não queria parecer lamentável então se calou.- Isso não faz o menor sentido.- murmurou num suspiro cansado.

- O que não faz sentido, senhorita?- indagou o guarda.

- Eu estar aqui. Se eu fosse uma princesa ou algum dos bastardos do rei, seria aceitável, mas não é o meu caso. Se o rei Ithalos quisesse uma trégua duradoura teria insistido em enviar alguma de suas filhas, mesmo que o rei Albert tenha me solicitado.- divagou sem expressão.- É como se tivesse apontado para qualquer lugar e por coincidência eu estava lá.- completou com a voz embargada e parou de falar para abafar o choro que estava prestes a explodir.

- Senhorita, não sei se sou a pessoa mais indicada para te dirigir palavras de consolo, mas não acho que seja esse o motivo de ter sido escolhida.- começou Reed se aproximando com cautela. Naiáde prendeu a respiração e um nó começou a apertar a garganta, não teve chance para chorar todas as mágoas que levava no coração a tantos dias, mesmo sua coragem ou preparo pessoal não esfriaram sua alma.- Mesmo um cego seria capaz de ver sua beleza. Talvez Sua Majestade também tenha visto.- completou tirando de um dos bolsos do casaco um lenço branco. Naiáde não conseguiu responder a princípio, as palavras a atingiram em cheio, já ouviu elogios antes mas nunca um com tanta afeição. Os olhos do soldado pareciam mentirosos e sombrios como uma noite escura que guardava perigos inimagináveis, mas sua atitude, com os braços estendidos desembrulhando um pedaço de pão e lhe entregando, era doce.

- A mulher a quem o senhor cortejar certamente se sentirá envergonhada com tanta gentileza.- respondeu com um leve desapontamento na voz, mas pegou o doce coberto de açúcar e levou aos lábios devagar, mordendo em seguida. O sabor tomou seus sentidos e sua mente divagou para onde tinha sentido aquele gosto pela primeira vez, nos arredores de um acampamento militar do exército, não sabia exatamente sob qual bandeira eles marchavam, mas quando seu pai mandou que se esgueirasse por entre as tendas e trouxesse um doce da cozinha, ela o fez.- Que saudade.- murmurou para si mesma, não sabendo se estava se referindo ao pai ou ao doce.

- Parece que gosta de geleia de pêssego.- disse Reed com os cantos dos lábios levemente curvados, aquele sorriso começava a irritar Naiáde, mas ele era um dos seus poucos amigos, não podia bater nele.- Mas... Saudade ? Essa receita é invenção do cozinheiro oficial do palácio, não há como já ter provado, senhorita.- acusou ele se aproximando outra vez, Naiáde se surpreendeu, seus instintos gritaram para se afastar do homem e do seu olhar assassino, mas seu corpo não obedeceu. Ele se aproximou até quase tocá-la, se encolheu e recuou quando o homem levantou as mãos na intenção de segurá-la.- Como pode alguém como você ter provado isso ?- completou tirando-a do seu estado enevoado. Alguém como ela ?

- O que está insinuando com essas palavras?- cuspiu as palavras se levantando, sua respiração ficou pesada e raiva invadiu suas veias. Havia compreendido sua situação e precisava virar o jogo.

- Eu ... Espere, certamente me entendeu mal, senhorita.- disse levantando-se e tentando alcançar o braço de Naiáde, o estrago já estava feito, a mulher já olhava com fúria, o punho cerrado de irritação, coberta de desgosto.

- Não acredito que eu tenha te entendido mal, senhor guarda real. Me considera tão inferior a ponto de duvidar que eu conheça uma porcaria de bolo de geleia de pêssego? Eu posso não ter sangue nobre e estar aqui como uma prostituta mas não permitirei que me trate como bem entende. Belfort não é a única nação que tem pêssego, isso é ridículo.- disse Naiáde rápido, quase atropelando as palavras, mas não era realmente esse o motivo do nervosismo. Conhecer aquele sabor significava que o acampamento que seu pai usou para ensinar furtividade a ela era o exército do rei Albert. O mesmo acampamento onde conseguiu as cicatrizes e onde jurou se vingar do soldado que a chicoteou.

- Por favor, se acalme.- disse Reed com nervosismo, perdido na situação em que a mulher o colocou, seu olhar agora não era maldoso parecia um pouco em pânico, talvez arrependido.

- Eu sentia apreço pelo senhor, isso é realmente uma decepção. Alguém como eu ? Depois de tantos dias conversando devia saber melhor do que ninguém o quanto eu me sinto ofendida sendo trazida aqui como uma concubina. Céus, sequer existe alguém como eu.- declarou e caminho para longe batendo sapatos com raiva no chão de pedra.

A FILHA DO GENERAL Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt