Foi Só Uma Pilhagem

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Não era novidade que o próprio rei tinha destruído seu poder sobre o país com seu comportamento frívolo e suas ações sujas mas agora Naiáde estava certa de que além disso ele também havia desonrado todo o esforço dos seus antecessores, desde seu pai que tomou o trono num golpe de estado até os antigos monarcas que pereceram deixando uma trilha gloriosa na história.


Os contratos de servo eram basicamente iguais aos documentos de escravo e a partir do momento que alguém tinha o nome escrito em um deles dependeria completamente da sorte para evitar ter uma vida miserável.
Esse era o principal motivo para todos os servos da mansão Duzzani terem se tornado leais ao longo do tempo, nenhum era maltratado ou punido severamente como nas outras propriedades, no máximo recebiam advertências, todos que serviam o general foram tratados como família e não era raro que aparecessem pessoas pedindo para se tornarem servos a serviço dele. No entanto, desde sua partida para Belfort parecia ter muitos rostos novos, Liana trouxe algumas criadas como dote de casamento mas agora também haviam alguns guardas jovens patrulhando o entorno da propriedade, mas não pareciam ser ameaça.


Sua entrada no escritório não teve problemas, também não foi difícil encontrar a caixa de madeira de cedro e colocá-la numa bolsa de couro junto com seu saque, riu do pensamento de roubar a si mesma e uma ideia maldosa nebulou seus pensamentos, poderia voltar ali em alguns dias e exigir suas posses, talvez Liana merecesse uma punição por roubo. Riu levemente mas não se permitiu ficar presa no pensamento, seu único momento difícil foi a saída, especificamente, escapar do par de soldados menores que estavam patrulhando no exato momento de sua saída.


Não tinha muito peso consigo, mas quando precisou subir a colina por entre as árvores desejou desesperadamente que Reed estivesse ali para ajudá-la, ou mesmo Athos. Como se fosse a resposta imediata a sua prece ou intervenção divina, ao longe avistou dois vultos escuros e focou sua visão sem se permitir parar de correr, pouco depois a imagem ficou nítida e identificou o homem parado sobre um cavalo ao pé da colina, segurando as rédeas de um segundo animal, a pelagem negra de Tarso reluzia sobre qualquer luz que a banhasse e mesmo quando se olhava brevemente ele ainda parecia majestoso, como uma criatura mítica que só se conhece pelas lendas populares.


Subiu sem jeito se desequilibrando e foi puxada por Athos antes que caísse, segurou com firmeza nas rédeas e pôs Tarso em movimento antes que o par de guardas pudessem alcançá-la.


A sensação do vento no rosto levou a preocupação e o nervosismo a medida que corriam, Tarso sempre a fez se sentir assim, e mesmo que todos dissessem repetidamente que era alto demais para ela ou não era dócil o suficiente não conseguia abrir mão dele, nenhum homem abriria mão de um desafio e Naiáde não se via inferior a nenhum homem.



- Você nunca decepciona.- ouviu Athos dizer alto e riu observando-o chacoalhar sobre o cavalo, ele não tentava restringi-la como seu irmão fazia e esperava que Reed tivesse essa gentileza, mas não era o que sua natureza demonstrava.



- Vamos voltar.- disse a ele e focou sua visão a frente, atenta a estrada e com os pensamentos meio bagunçados, ainda não estava convencida, o decorrer da viagem começava a preocupá-la mais do que o esperado.

O caminho até a hospedaria levou metade do tempo e Tarso se provou eficaz mais uma vez, estava sorrindo orgulhosa quando desceu do lombo do animal e o entregou a um dos soldados do pai, se pegou por um momento pensando em que tipo de combinação re...

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O caminho até a hospedaria levou metade do tempo e Tarso se provou eficaz mais uma vez, estava sorrindo orgulhosa quando desceu do lombo do animal e o entregou a um dos soldados do pai, se pegou por um momento pensando em que tipo de combinação resultaria de Reed e Tarso.



- Estava considerando enviar uma equipe de busca.- ouviu o homem dizer com humor e se virou para encará-lo, não podia ser sério, não havia demorado mais do que três horas e ainda nem era meio dia.



- Não acho que uma equipe de busca possa lidar comigo, por melhor que seja.- provocou com cinismo na voz, mas o soldado não retrucou.- Nem aqueles guardas conseguiram.- murmurou antes que a mão de Reed alcançasse sua nuca, a frase fez o movimento ser interrompido e Reed a olhou com surpresa.



- Soldados?



- Sim, haviam soldados novos na mansão Duzzani, mas eu fugi antes que fosse reconhecida.- explicou meio confusa mas com sorriso orgulhoso, a expressão no rosto do homem parecia diferente, mais sombria do que estava a poucos segundos.



- Você não disse que o que ia buscar estava na mansão do general Duzzani.- questionou, Naiáde desviou o olhar com uma expressão culpada, havia sido de propósito, Reed não a permitiria ir se soubesse o destino.



- Eu precisava falar com a mãe da Freya.- explicou com doçura na voz, talvez isso funcionasse pela primeira vez e amoleceria o soldado.



- Então me enganou enquanto sustentava um olhar inocente.- exclamou, Naiáde o encarou surpresa, não pelas palavras mas porque não sabia como reagir a elas.



- Eu não fui reconhecida, me certifiquei disso. Mas precisava pegar algumas coisas do escritório que não pude antes.- explicou sentindo a intimidação que a presença dele causava.



- Então além de tudo ainda saqueou a mansão do general?- disse.- Céus, eu sabia que não deveria ter confiado a senhorita a outra pessoa.- completou ele com certa indignação e caminhou até a baia. A silhueta várias polegadas mais alta estava tensa, pôde ver mesmo sobre a camisa escura mas quando os punhos se fecharam com força soube que ele estava mais do que só incomodado, Reed estava com raiva.



- Bom, foi só uma pilhagem.- disse envergonhada.- Foi uma ideia ruim mas eu consegui, trouxe as jóias, minhas antigas armas e até...- estava dizendo quando o burburinho chamou sua atenção e voltou os olhos para a estrada.


Não entendeu bem o que estava acontecendo, as vozes sobrepostas deturparam seu foco e murmurou um com licença para Reed antes de ir em direção as pessoas. O grupo estava aglomerado a alguns metros da hospedaria, não era difícil se misturar mas recuou um passo quando viu duas armaduras de guardas do reino, sentiu o toque nas costas e não se virou mas sabia que era Reed.



- O que aconteceu com essa moça?



- Outra vez, essa cidade parece amaldiçoada, coisas assim continuam acontecendo.



- Era tão jovem, que fim terrível.- ouviu as pessoas comentando uma após a outra e procurou o motivo mas foi impedida pela mão de Reed sobre seus olhos e outra envolveu sua cintura.



- Vamos voltar, Naiáde.- disse ele, mas estava diferente, não era frio ou irritado, parecia amargura ou nojo. Prendeu os pés no chão, se recusando a ir e levou as mãos devagar para tirar o que lhe tapava a visão, seu corpo congelou completamente ao ver o motivo para a indignação do povo, o corpo que havia sido trazido da floresta estava sendo levado pelo par de guardas mas estava completamente exposto.


Naiáde varreu a cena minuciosamente, e o desespero cresceu em seu interior a cada segundo, os cabelos escuros pareciam mortos como palha, as roupas estavam rasgadas e havia sangue por todo lugar, hematomas roxos na pele e estava suja de terra e lama, mal podia ser reconhecida devido ao rosto inchado e machucado mas houve uma coisa, um detalhe que Naiáde não pôde deixar de reconhecer, a pinta logo acima do lábio que já havia visto, no dia anterior, na carroça de tributos ao rei, a mulher que seria oferecida a Ithalos como tributo.


As pernas perderam a força e segurou na camisa de Reed para que não caísse, não fazia nem um dia inteiro que ela estava viva, não sabia sequer o nome daquela mulher mas agora ela estava morta com claros sinais de estupro. Sentiu outro puxão e não resistiu dessa vez, permitiu que Reed a tirasse dali em silêncio e o seguiu até o quarto, sentou na cama e encarou o vazio por algum tempo, estava perdida, os pensamentos giravam na mente sem focar em nada, o coração parecia envolvido por chumbo.


Reed ficou alí por algum tempo, não soube dizer o quanto, ele não falou nada, não tentou consolá-la ou culpar ninguém, sequer parecia afetado pela imagem, apenas sentou-se com ela e só levantou para checar o pombo que pousou na janela.


A FILHA DO GENERAL Where stories live. Discover now