Capítulo 19

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Mary ouviu tudo aquilo com muito espanto. Não menos pasmo, Santiago fixou seus olhos nos lábios de David e ouviu cada fonema como se estivesse recebendo um soco no estômago; nunca passou em sua cabeça que aquele homem fosse irmão de Mary.

— Quero vê-lo hoje! — Insistiu Mary quase chorando.

— Mary! Não insista! Amanhã você verá seu irmão. Agora por favor, pode se retirar; tenho que conversar com Santiago.

— Mas doutor...

— Mary, por favor! Sem mas! Retire-se! — Disse David apontando para a porta. — Antes de sair, comunico a senhora que não aceitarei seu pedido de demissão. Amanhã conversaremos com calma. Agora por favor, queira se retirar e volte a trabalhar!

Mary levantou-se enxugando as lágrimas que insistiam em cair de seus olhos. A mulher não sabia ao certo o que estava acontecendo, muito menos o porquê do seu choro que insistia persegui-la. As coisas certamente estavam acontecendo muito rápido; no mesmo dia em que resolve voltar para New England, recebe a notícia de que seu irmão esta em East Sussex e apesar de ser psicóloga, sua cabeça estava muito confusa e há muito tempo não era acometida por aquele turbilhão de emoções. Uma visita de Dooham não era algo que a mesma esperava, afinal, durante a infância nunca foram muito ligados e depois de entrar para a marinha, o rapaz parece que perdeu o pouco amor que tinha pela família; meses longe de casa, treinando e matando modificam o ser humano, e analisando todos esses pontos, uma visita do rapaz era a última coisa que passava pela cabeça de Mary. Se isso não fosse o bastante, o motivo para tal aparição ainda era confuso, algo aconteceu ou ele está em missão? Claro que poucos conhecem East Sussex, além da mesma nem possuir mar, logo, Dooham não estaria ali simplesmente para uma missão, algo mais estava envolvido, porém, Mary não tinha nada a fazer, não sabia onde ele estava não podia sair do hospital, assim esperar era o que lhe restava.

A psicóloga caminhou de um lado para o outro, em um ziguezague envolvente, parecia um bêbado saindo de um bar após afogar as mágoas de uma briga qualquer, mas no caso de Mary, eram tantas mágoas, tantas decepções que ela poderia ir para o Prato de Arroz e beber muito que não iria adiantar nada, pois aquela situação repetia-se com tanta freqüência que era bem provável que as mágoas da jovem já soubessem a nadar. 

Os minutos foram passando e o caminhar parecia cada vez mais lento. Após virar alguns corredores adentrou em uma sala; seu quarto. Fechou a porta e correu para a cama onde se jogou na cama e começou a chorar colocando o travesseiro sob a cabeça.

Na sala de David, o médico escrevia em um bloco de papel amarelo. Desde a saída de Mary, ele não proferiu nenhuma palavra e por ventura, Santiago também permaneceu em silêncio apenas observando o dançar da mão esquerda de David em cima da mesa enquanto desenhava algumas letras no papel.

— Desculpe o atrevimento senhor, mas ficaremos aqui nessa monotonia? — Perguntou Santiago inclinando a cabeça para baixo, mostrando uma espécie de submissão ao médico.

David nada disse, apenas repousou a caneta azul na mesa, abriu a gaveta e pegou um pequeno boneco de plástico, colocou-o na mesa, fechou a gaveta e começou a brincar com aquele boneco. Mexia os braços do brinquedo e fazia sons, parecia uma criança.

— Doutor, desculpe-me, mas tenho coisas para fazer e me leve a mal, mas devemos concordar que já somos meio velhinhos para brincarmos com boneco em um hospital psiquiátrico; hospital onde o senhor é o presidente.

Novamente o médico nada falou. Continuou a brincar por algum tempo. Tomou a caneta novamente na mão esquerda e começou a escrever em um papel limpo:

— e4! — Disse o médico anotando a fala.

— e4 doutor David? Desculpe mas não estou entendendo nada do que o senhor esta querendo. — Respondeu Santiago mostrando uma feição de preocupação.

A Outra Face do MedoWhere stories live. Discover now