彼は行ってしまった

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Eu uso muita história real nas minhas fics Monsam porque eu queria ser professora de história. Eu não revisei ele por motivos de preguiça. 


Resolvi acordar bem cedo. Jim não tem obrigação de cuidar dos meus afazeres pra mim. Eu tenho a obrigação de cuidar da casa desde antes do amanhecer até depois que o sol se põe. Eu não recebo um salário mínimo. Pelo menos, eles não me pagam o que o governo diz que eu devo receber. Só que eles falam que é um salário e eu devo aceitar ou vou para a rua.
Minha família trabalha na fazenda. Nós temos casinhas não muito longe da sede. São umas três casinhas. Uma é para a família da Jim, outra para a minha. Minha mãe trabalha cuidando dos animais, colhendo os ovos, tirando o leite, essas coisas. Meu pai lida com o gado. O pai da Jim trabalha com ele. A mãe da Jim sai para vender os produtos da fazenda na cidade. Eu e Jim temos a obrigação de cuidar da casa dos patrões. Ela cozinha, limpa a cozinha, essas coisas. Eu preciso cuidar do resto da casa, lavo e passo a roupa...
As filhas do senhor Hamada vivem na capital. Elas estão estudando em colégio interno. São adolescentes ainda. Uma tem quinze anos e a outra tem dezesseis. O senhor Kirk tem dezenove. Dizem que Samanun tem dezessete. O que me faz ficar pensativa, pois eu tenho dezesseis.
Eu cresci aqui na fazenda e sempre via as filhas dos patrões brincando. Eu comecei a trabalhar com oito anos. Diziam que eu já era grandinha e já podia ajudar nas tarefas. Eu trabalhava e limpava o quarto das meninas, arrumava suas bonecas bonitas. Sentia aquele aperto no peito de que eu queria ser rica e ter tudo aquilo também. Só que eu nunca tive e nem nunca vou ter. Enquanto elas estão no colégio aprendendo a serem damas, eu estou trabalhando todos os dias sem nenhuma folga. Tenho que estar sempre a disposição dos patrões. Principalmente, a disposição da nova patroa que não aceita que eu vá dormir até que ela esteja dormindo. Não quero nem imaginar o que vai ser quando o bebê chegar.
De qualquer forma, eu me levantei muito cedo mesmo. Cinco da manhã já estava a disposição de quem acordasse primeiro. Eu tenho que estar ali sempre antes para atender na hora. Eles não gostam de pegar o próprio prato. Eles não gostam de guardar as próprias coisas.
Senhor Kirk é o primeiro a aparecer. Pede que eu faça café para ele. Não sou eu quem faz o café, é a Jim. Então, eu vou até a cozinha e peço para ela me dar o café. Ela me dá o bule cheio de café que foi feito não tem muito tempo. Eu o levo até a mesa e ele bebe o café com uma expressão que o faz parecer ter cinquenta anos e não dezenove. Ele deve saber que vai para a guerra e o que isso significa. Ele deve saber o peso de tudo isso. De tudo mesmo. Eu não gostaria de estar na pele dele. Quem gostaria?
Logo após ele aparecer, o senhor Hamada aparece. O homem se senta na mesa. Ele fica em silêncio. É um silêncio que gela até a alma de quem vê. Deve ser difícil... Os japoneses pararam de fazer a seda para não ter que vender os panos para que o exército brasileiro usasse em seus paraquedas na guerra contra o Japão. Os Shindo Renmei estão sempre fazendo nossa comunidade acreditar em nosso país natal. E então... O filho de um japonês... Ele mesmo sendo japonês... Vai e luta contra nosso país natal.
Isso é muito confuso. Tão confuso quanto eu não saber qual lado da guerra devo apoiar. A guerra faz isso com as pessoas, não é? Eu não sei... Prefiro acreditar que faz. Assim, eu retiro um pouco da carga dos meus ombros. Não que eu esteja em cima do muro. Eu só não sei se devo ser obrigada a escolher um lado, afinal.
O silêncio está terrível. Yha chega e pede seu café com leite matinal. Ela quer um pedaço de rosca com goiabada. Eu vou e busco. Eles comem tudo o que têm pra comer. Estranho Sam não ter vindo. Ela sempre aparece.
Todos ficam comendo em silêncio. Parece uma casa, mas sem ser um lar. Lar é o que temos em casa que eu e minha mãe sorrimos o tempo todo. Meu irmão, o Nop também está sempre brincando. Ele trabalha com meu pai cuidando do gado. Nós sempre estamos sorrindo e felizes. Aqui, parece que o clima nunca é de felicidade. Nem mesmo quando houve o casamento foi algo feliz. Samanun chegou e foi apenas isso. Não tivemos uma festa, nem nada. Foi como se fosse apenas um contrato e só.
- Mon, vá ver se Samanun quer algo para comer e leve até o quarto. Ela não está se sentindo bem. - Kirk bebe mais um pouco do café.
- Sim, senhor. - Eu obedeço. 
Vou até o quarto deles e bato na porta. Ninguém atende. Bato mais uma, duas, três... Até que resolvo abrir e entrar. O quarto está todo fechado. Não há uma única luz. Então, eu acendo a luz e vejo que ela está deitada encolhida na cama. Eu fico preocupada na hora.
- Senhora, eu vim perguntar se vai querer algo pra comer. - Eu me aproximo e toco na região do ombro dela. 
- Não, obrigada. - Ela responde em seu português ruim.
- O que a senhora tem? Eu posso trazer um remédio. - Eu olho para o amontoado de cobertas que ela está embaixo.
- Não preciso de remédio. - Ela continua a falar em seu português ruim.
- Tudo bem, senhora. Se precisar é só gritar que eu venho correndo. - Eu começo a sair.
- Fique. - Ela fala e o tom não é de ordem, é de pedido.
- Eu fico. - Eu permaneço em pé ao lado da cama.
- Se sente. - Ela volta a pedir. 
- Tudo bem. - Eu me sento na beirada da cama.
- Você gosta de sushi? - Ela pergunta e eu fico sem entender.
- Nunca comi, senhora. Em casa, nós comemos mais comida italiana feita por minha mãe. - Eu dou de ombros.
- Se você quiser, eu te levo um dia para comer. - Ela levanta a cabeça e me olha, o que dá pra ver pelo seu olhar que ela não está bem.
- Você está triste? - Eu sei que não deveria perguntar, mas os olhos dela me olham de uma forma.
- Kirk... - Ela se cala.
- Entendo, ele vai para a guerra. Mas não fique assim, logo ele volta. - Tento consolar ela.
- Sim... - Ela suspira e volta a me olhar. - Quer comer sushi um dia?
- Seria legal. - Dou um sorriso simpático, sabendo que jamais comerei.
- Eu vou te levar. - Ela sorri.
- Senhora, eu sou só uma empregada. - Eu fico meio assim.
- E então, já está melhor? - Senhor Kirk entra no quarto e Sam vira para o lado com rapidez. - Ela quis comer algo?
- Não, senhor. - Eu fico meio assim.
- Tudo bem. Volte para seus afazeres. - Ele ordena, eu saio do quarto e ele tranca a porta.
Uma hora depois, os patrões se despedem de Kirk. Sam está junto. Ela está com uma cara de alívio. O que me deixa confusa. Ela estava triste até agora pouco. Não faz sentido ela sentir alívio do marido dela ir para a guerra. Mas é como ela se pareceu.
Depois, ela pegou sua sombrinha e foi para debaixo da jabuticabeira. E sumiu por um tempo. Eu não vi ela lá mais até a hora do almoço. Yha me mandou procurar ela para almoçar e eu não a encontrei. A fazenda não é enorme, mas é grande. E tem um riacho que corta ela. Pensei em ir ao riacho para ver se ela estava lá, mas pensei que ela não iria lá. É cheio de árvores e tem bichos. Ela não iria querer estar por lá. Mas eu não sei onde ela foi. Talvez foi ver os animais...
Ela reapareceu na hora do café da tarde. Comeu o bolo de fubá com café. Estava com um ar de quem está feliz. E, por incrível que pareça, Yha estava com o mesmo ar. Sobre Yha estar assim todos nós já esperávamos. Com o herdeiro morrendo, se o bebê dela for menino, a fortuna vai toda para o bebê dela.
Na hora do jantar, estão as duas e o senhor Hamada comendo a comida. Está um silêncio terrível. É muito estranho estar com eles aqui, sabendo que vou para minha casa logo logo e que vou sentar na mesa com minha família e rir bastante. Até meu pai, que é mais fechado, consegue rir um pouco. Minha mãe é mais de brincar. Nós aprendemos isso com ela.
- O professor não vai vir mais. Estamos sendo considerados traidores. Samanun, você vai ficar sem aprender o português. - O homem fala de forma fria.
- Se me permite, Kornkamon sabe falar japonês e pode me ajudar. - Ela fala baixinho em tom de respeito ao homem da casa.
- Kornkamon, você sabe falar japonês, não é? - Ele me olha e eu sinto medo.
- Sim, senhor. - Eu concordo.
- Você vai ensinar a Samanun todos os dias até ela aprender o português. Retire as tardes para ensinar ela. - Ele ordena.
- Mas ela precisa ajudar com a casa. - Yha fica ofendida.
- Contrate outra pessoa. - Ele fala como se o assunto estivesse encerrado.
- Tudo bem. - Ela abaixa a cabeça.
Olho para Sam tentando entender o que se passa na cabeça dela. Ontem, ela me disse que gosta da forma que eu olho para ela. De manhã, ela me chama para comer sushi. Agora, ela me faz virar professora dela. Não entendi... Eu deveria entender?

 Eu faço a Mon trabalhar igual uma condenada porque em 1944 os imigrantes japoneses eram, usando em palavras, escravos nas fazendas. A forma mais bonitinha usada hoje é o termo "trabalho escravo". Mas essa foi a realidade dos imigrantes em 1944.

Illicit Affairs (REPOSTAGEM)Where stories live. Discover now