Mal amanhece e ligam do hospital, pedindo minha documentação, confirmação de disponibilidade de horário, e lista de material necessário para o ambulatório. Ontem mesmo entrei em contato com os meus chefes e verifiquei a possibilidade de licença-prêmio ou sem remuneração, mas para efetivar, preciso ir pessoalmente resolver essa questão.
Faço o caminho de volta para a minha casa, me preparando psicologicamente para conversar com o Miguel, pensando em como vou dizer que passarei seis meses longe. Chego à noite. A meu pedido, minha irmã nos busca no aeroporto. Encontro o Miguel em casa, extremamente surpreso ao nos ver.
– Helô!
– Oi, Miguel. – Ele corre até mim e tira a Flávia dos meus braços, abraçando e beijando a filha, que sorri encantada para o pai, enquanto se enrola ao tentar falar mil coisas ao mesmo tempo com ele. Depois se aproxima mais e me dá um beijo desajeitado, mal tocando os nossos lábios, como se temesse a minha reação. E, apesar da raiva, estou com saudade do meu marido, e não consigo virar o rosto.
Ele veste apenas uma bermuda, o peito nu, como costuma ficar em casa, e evito olhá-lo, porque sinto falta desse corpo, e do que ele fazia comigo.
– Por que você fez isso comigo, vida? – O jeito de falar dele me corta o coração, mas eu não posso ceder.
– Eu já expliquei, Miguel. Você sabe os meus motivos.
– Por que não me ligou para eu pegá-las no aeroporto?
– Já tinha falado com a Helena.
– Ainda sou teu marido. O pai da tua filha. Quando você vai parar de me ignorar? Quando vamos voltar ao normal?
Largo a minha bolsa e tiro minha calça, esticando o meu corpo depois de horas de voo, antes de responder.
– Não sei se dá para voltar ao normal, Miguel. – Sou sincera. – E nem voltei para ficar.
– Como assim? – Agarra a nossa filha com posse, como se isso me segurasse em algum lugar.
– Não vou discutir na frente da Flávia. – Deixo claro. – Então cuidado com o tom e com as palavras a partir de agora. – Previno, porque sei que ele não vai gostar do que vou falar – Surgiu uma oportunidade de emprego temporário e decidi aceitar.
– Em Santa Catarina? – Ele parece muito mais chocado do que quando eu disse que ia apenas passar férias.
– Sim.
– Por quanto tempo?
– Seis meses.
– Seis meses? Não posso ficar nem um mês sem ver vocês, Heloísa!
– Você passou meses sem me enxergar, Miguel. A diferença é que vou estar um pouquinho mais distante. – Corto de maneira fria.
– Não foi assim, não seja cruel, isso não combina com você.
– Cruel? Eu? – Não estou sendo cruel, estou reagindo de forma magoada. O que é normal diante do que ele me fez.
– Você mesma. É crueldade me acusar de tudo isso e não me dar chance de defesa! Fugir com a minha filha sabe lá Deus para onde e passar esse tempo todo sem dar sinal de vida!
– Primeiro: não fugi. Segundo: não queria falar com você. Não queria ver você. E tenho esse direito. Mas eu acho realmente que não é hora para essa discussão. Fica com a tua filha, aproveita teu tempo com ela. Vou tomar um banho e comer alguma coisa. Quando ela dormir, a gente conversa.
Miguel percebe que é a melhor coisa a fazer e leva a Flávia para cozinha, para tentar fazê-la comer algo. E só volta depois de brincar com ela, dar banho e colocá-la na cama, começando a falar assim que entra no quarto.
YOU ARE READING
Confissões de Heloísa
ChickLitAMOSTRA Confissões de Heloísa é um romance que foi escrito em 2009. Postado inicialmente numa comunidade do orkut de escritoras amadoras, ainda naquele ano. Em 2015, foi disponibilizada no wattpad por dois meses, e retirada para revisão, repostada a...