Capítulo 04 - Ela sorri para você?

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Mal amanhece e ligam do hospital, pedindo minha documentação, confirmação de disponibilidade de horário, e lista de material necessário para o ambulatório. Ontem mesmo entrei em contato com os meus chefes e verifiquei a possibilidade de licença-prêmio ou sem remuneração, mas para efetivar, preciso ir pessoalmente resolver essa questão.

Faço o caminho de volta para a minha casa, me preparando psicologicamente para conversar com o Miguel, pensando em como vou dizer que passarei seis meses longe. Chego à noite. A meu pedido, minha irmã nos busca no aeroporto. Encontro o Miguel em casa, extremamente surpreso ao nos ver.

– Helô!

– Oi, Miguel. – Ele corre até mim e tira a Flávia dos meus braços, abraçando e beijando a filha, que sorri encantada para o pai, enquanto se enrola ao tentar falar mil coisas ao mesmo tempo com ele. Depois se aproxima mais e me dá um beijo desajeitado, mal tocando os nossos lábios, como se temesse a minha reação. E, apesar da raiva, estou com saudade do meu marido, e não consigo virar o rosto.

Ele veste apenas uma bermuda, o peito nu, como costuma ficar em casa, e evito olhá-lo, porque sinto falta desse corpo, e do que ele fazia comigo.

– Por que você fez isso comigo, vida? – O jeito de falar dele me corta o coração, mas eu não posso ceder.

– Eu já expliquei, Miguel. Você sabe os meus motivos.

– Por que não me ligou para eu pegá-las no aeroporto?

– Já tinha falado com a Helena.

– Ainda sou teu marido. O pai da tua filha. Quando você vai parar de me ignorar? Quando vamos voltar ao normal?

Largo a minha bolsa e tiro minha calça, esticando o meu corpo depois de horas de voo, antes de responder.

– Não sei se dá para voltar ao normal, Miguel. – Sou sincera. – E nem voltei para ficar.

– Como assim? – Agarra a nossa filha com posse, como se isso me segurasse em algum lugar.

– Não vou discutir na frente da Flávia. – Deixo claro. – Então cuidado com o tom e com as palavras a partir de agora. – Previno, porque sei que ele não vai gostar do que vou falar – Surgiu uma oportunidade de emprego temporário e decidi aceitar.

– Em Santa Catarina? – Ele parece muito mais chocado do que quando eu disse que ia apenas passar férias.

– Sim.

– Por quanto tempo?

– Seis meses.

– Seis meses? Não posso ficar nem um mês sem ver vocês, Heloísa!

– Você passou meses sem me enxergar, Miguel. A diferença é que vou estar um pouquinho mais distante. – Corto de maneira fria.

– Não foi assim, não seja cruel, isso não combina com você.

– Cruel? Eu? – Não estou sendo cruel, estou reagindo de forma magoada. O que é normal diante do que ele me fez.

– Você mesma. É crueldade me acusar de tudo isso e não me dar chance de defesa! Fugir com a minha filha sabe lá Deus para onde e passar esse tempo todo sem dar sinal de vida!

– Primeiro: não fugi. Segundo: não queria falar com você. Não queria ver você. E tenho esse direito. Mas eu acho realmente que não é hora para essa discussão. Fica com a tua filha, aproveita teu tempo com ela. Vou tomar um banho e comer alguma coisa. Quando ela dormir, a gente conversa.

Miguel percebe que é a melhor coisa a fazer e leva a Flávia para cozinha, para tentar fazê-la comer algo. E só volta depois de brincar com ela, dar banho e colocá-la na cama, começando a falar assim que entra no quarto.

Confissões de HeloísaWhere stories live. Discover now