Limitações

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Amélia

A manhã seguinte após a noite de abusos de Chris foi uma das mais sombrias que eu já vivi. Eu não tinha dormido, permanecendo imóvel na cama, de costas para ele, com o coração pesado de desespero e medo.

Ouvi os sons familiares de Chris se preparando para sair. O rangido da cama quando ele se levantou, o chuveiro ligando e, finalmente, o som do carro saindo da garagem. Quando o silêncio voltou a dominar a casa, eu ainda estava paralisada.

Cobri meu corpo com os lençóis e rolei para o lado, olhando para o teto, sem saber o que fazer a seguir. Uma mistura de emoções me inundou: tristeza, raiva, e uma sensação de impotência avassaladora.

Eu sabia que precisava tomar uma decisão importante sobre o meu futuro. Ficar com Chris era insustentável, mas eu estava presa em um relacionamento tóxico, e a ideia de sair parecia impossível. Pior ainda, o vínculo secreto que compartilhava com Jeffrey me atormentava, porque sabia que também precisaria deixá-lo para trás.

Enquanto a manhã avançava, eu me senti como uma marionete, manipulada pelas circunstâncias e pelos eventos de minha própria vida. Precisava encontrar forças para escapar desse pesadelo, mas a jornada à frente seria cheia de desafios.

Ao encarar meu próprio reflexo no espelho, minha visão ficou embaçada pelas lágrimas que rapidamente começaram a escorrer. O hematoma roxo em meu pescoço era uma lembrança dolorosa da noite anterior, uma marca visível do controle e da crueldade de Chris. Meus braços estavam cobertos de hematomas menores, testemunhas silenciosas de um relacionamento abusivo que eu não conseguia mais negar.

Toquei delicadamente meu lábio cortado e inchado, resultado do seu tapa e do beijo forçado que ele me impôs. Cada contusão em meu corpo parecia um grito silencioso, um pedido de socorro que eu mesma não conseguia articular.

Com mãos trêmulas, apliquei a maquiagem cuidadosamente, tentando disfarçar as marcas do abuso que Chris havia infligido sobre mim. Cada camada de corretivo e base era como uma armadura frágil, uma tentativa desesperada de esconder a verdade por trás de uma fachada de normalidade.

O hematoma em meu pescoço era o desafio mais difícil, mas com paciência, consegui minimizar sua visibilidade. Meu lábio cortado ainda ardia, mas o batom vermelho ajudou a esconder a ferida. Eu não queria que ninguém no set percebesse o que eu estava passando, pelo menos não naquele momento crucial para o trabalho.

Após terminar de me maquiar, vesti-me como de costume, escolhendo uma blusa de gola alta que escondia meu pescoço. Olhei-me novamente no espelho e vi uma versão mascarada de mim mesma. Eu me perguntei por quanto tempo conseguiria manter essa fachada, mas, por ora, era tudo o que eu podia fazer.

Com um suspiro pesado, peguei minha bolsa e saí de casa em direção ao set. A temporada estava chegando ao fim, e eu tinha um trabalho a fazer, um papel a desempenhar, mesmo que por trás da maquiagem e da atuação, a minha vida pessoal estivesse desmoronando aos pedaços.

Os óculos escuros escondiam o que minha maquiagem não podia. Assim que cheguei ao set, os removi e me concentrei no meu trabalho. Uma cena estava em andamento, e minha câmera estava pronta para capturar cada momento.

Eu estava determinada a evitar Jeffrey a todo custo. Não queria que ele visse o que estava por trás da minha máscara de maquiagem e sorrisos forçados. Manter distância dele era minha única forma de proteção, minha única maneira de manter meu segredo oculto.

Enquanto observava a cena através da lente da câmera, pensei em como minha vida tinha se tornado uma encruzilhada de mentiras e realidade distorcida. Mas por enquanto, no set de filmagens, meu foco estava no meu trabalho, e eu faria o possível para que nada o comprometesse.

Mantive a cabeça baixa e os óculos escuros no rosto enquanto deixava o set. Não queria dar a Jeffrey a chance de vir atrás de mim. Rapidamente, segui em direção ao meu carro, com passos firmes e rápidos, antes que ele pudesse alcançar-me.

Não troquei uma palavra sequer com ninguém enquanto atravessava o estacionamento. O silêncio era meu refúgio, um escudo contra os olhares curiosos e as perguntas indesejadas. Abri a porta do meu carro e entrei, desejando estar em qualquer outro lugar, longe deste mundo de mentiras e segredos.

Com a mente turbulenta e o coração apertado, decidi fazer algo que nunca pensei que faria. Dirigi até a delegacia de polícia mais próxima, desesperada por alguma orientação. Assim que entrei, fui recebida por um policial de meia-idade atrás do balcão.

Tentei manter a calma, apesar do medo que sentia.

— Oficial, eu tenho uma amiga que... está sofrendo abusos do marido. — comecei, hesitante. — O que ela pode fazer?

O policial me olhou com seriedade.

— Ela pode registrar uma queixa, e podemos prendê-lo.

— Mas se ele tiver dinheiro pode pagar fiança?

— Sim, ele teria direito a fiança.

— Então, ele sai da cadeia ainda mais furioso deixando minha amiga em perigo?

— Podemos emitir uma ordem de restrição para proteger sua amiga.

— Mas... isso significaria que ela teria que enfrentar uma situação ainda pior quando ele saísse da prisão, não é? O que ela faz com esse papel? Joga nele quando ele tentar matar ela? — Eu sabia que minha voz estava ficando exaltada.

O policial assentiu, compreensivo.

— Infelizmente, é uma situação complicada. A lei tem suas limitações.

— Sim... Obrigado. — Por nada.

Saí daquela delegacia, com um peso ainda maior no peito. Sabia que denunciar só pioraria as coisas. Eu estava em um beco sem saída, um caminho sem volta de solidão e trevas, dessa vez sem luz no fim do túnel...

A Chama ProibidaWhere stories live. Discover now