01: você.

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—Abre espaço! —Gritei em cima do paciente pressionando seu peito em um ciclo sem fim enquanto os internos corriam nos levando em uma maca. —Sai da frente!

—O que temos aqui? —A doutora Isobel já nos aguardava na sala colocando rapidamente suas luvas. —Alguém tira ela de cima do meu paciente.

—Homem, 32 anos, acidente de carro. Teve duas paradas cardiorrespiratórias a caminho do hospital. Perfuração no tórax, diversas lacerações no abdômen e um possível traumatismo craniano. —Ela balançou a cabeça concordando e puxando uma lanterna observando as pupilas do paciente.

—Chama a neuro. —A enfermeira saiu da sala correndo no mesmo instante. —Droga... —A máquina começou a disparar outra vez mostrando mais uma parada cardiorrespiratória. —Assume, Magalhães!

...

Torci meu pescoço de um lado para o outro tentando estralar, mas não adiantou muito. Meus ombros estavam doloridos e os meus braços quase sem força. Todo o esforço e no final o homem não conseguiu resistir. Pacientes do trauma são difíceis de lidar, os casos são sempre muito pesados. Então meio que já estamos acostumados, mas perder alguém também é uma dor grande. Se formar em medicina é uma honra, mas as vezes também um fardo.

—Ainda não trocou de roupa? —Rayane parou na minha frente estendo uma garrafa de água. —Ficou sabendo da fofoca que tá rolando por aí?

—Só tô descansando um pouco. —Falei observando a minha roupa completamente ensanguentada. —Quero ir pra casa... E que fofoca?

—Nem fala mulher. Tô louca por um banho, mas ainda tenho mais 8 horas de plantão. —Me levantei de uma vez colocando as mãos na cintura. —Que susto! Tão dizendo que um traficante entrou na emergência baleado...

—Que pena pra tu e pra ele. —Ela deu risada enquanto eu fazia uma careta leve. —Eu só tenho mais 30 minutos. E vou correr de qualquer caso que aparecer. —Por sua feição eu já sabia o que ela estava pensando e com certeza é que ela já imagina que isso não acontecerá.

Essa é a medicina por amor. Sempre estou no hospital, as vezes troco plantão com outras pessoas só pra ficar mais tempo. Só estou de fora mesmo quando não posso de forma alguma estar aqui dentro. Lidar com a adrenalina, todos os casos difíceis, sentir a dificuldade de respirar correndo de um corredor para o outro. Eu amo e sou obcecada por essa sensação. Foi por isso que decidi cursar medicina, decidi minha vida no momento em que passei no enem.

Depois de uma vida repleta de arrependimento eu não iria desperdiçar mais o meu tempo.

—Dandara, quer café? —Passando pelo corredor o Marcos me estendeu um copo. —Não trocou de roupa? Vai assustar os pacientes.

—Estou indo agora. Obrigada pelo café! —Balancei o copo bebericando um pouco.

Rapidamente cheguei no vestiário e comecei a tirar meu uniforme, o segundo do dia. Mas confesso que o primeiro estava muito pior. Uma criança entrou na emergência e acabou vomitando quase dois litros em cima de mim. Então meu cheiro não é o mais agradável hoje. Já que meu plantão estava perto de acabar e o trauma parecia por algum milagre ter se acalmado, aproveitei pra ter coragem e tomar um também segundo banho.

Parei em frente ao espelho desfazendo as duas tranças do meu cabelo. Amo meu cabelo, poder cuidar dele ou deixá-lo da forma que eu quiser. Uma coisa tão pequena e que faz a minha felicidade. Logo entrei em baixo do chuveiro deixando a água gelada cair sobre o meu corpo e torcia pra todas as dores sumirem, mesmo sabendo que isso não aconteceria. Tô literalmente louca pra ir para casa e dormir o dia inteiro.

Enquanto ensaboava o meu corpo evitando todas as áreas dolorosas ouvi o barulho da porta se abrindo, mas nem liguei muito já que era o vestiário feminino e nunca entravam nas cabines. Fechei os olhos relaxando enquanto fazia uma massagem leve no ombro que estava travado. Mas levei um enorme susto quando fui empurrada contra a parede com uma certa brutalidade. Senti meu corpo se encolher e as lembranças bateram na minha cabeça como uma enxurrada de uma chuva pesada. Levantei meu olhar para o rosto do homem e quando ia gritar ele tampou minha boca enquanto fazia sinal de silêncio. Seus olhos vagavam por todo o vestiário como se estivesse esperando alguém entrar.

ENLAÇADOS PELO DESTINO (MORRO)Where stories live. Discover now