Faça Com Que Eu Veja (DEGUSTAÇÃO)

3. SOMBRAS E MEMÓRIAS

Ajeitei os óculos escuros sobre o meu rosto e tomei mais um gole do milk-shake de frutas vermelhas ouvindo Ava repassar a minha agenda com os próximos compromissos.

— Você tem uma prova de figurino para o espetáculo mais tarde, uma coletiva de imprensa na outra segunda, ensaio fotográfico na quarta e a premiação no final de semana, — explicou.

— Nala tem uma consulta mais tarde, precisamos remarcar essa prova de figurino, ela sempre chega cansada e o doutor recomendou bastante repouso, — mamãe tomou a frente.

Elas ficaram em silêncio por um instante e consegui ouvir o leve alvoroço ao fundo da cafeteria. Por precaução resolvemos nos sentar um pouco mais afastados para não sermos o centro das atenções, levando os meus fãs até mim e causando um grande tumulto no local. Mesmo tendo alguns dos meus seguranças por perto, temo deles não conseguirem

fazer minha segurança e que algo aconteça.

— Consigo colocar para quinta, pode ser? — Questionou e logo concordei, me lembrando não ter nada marcado para o dia. — Ótimo, vão querer algo mais? Vou pedir um pouco de chá gelado. — Disse enquanto digitava algo freneticamente, consigo ouvir o barulho das teclas.

Antes que pudéssemos falar senti algo envolver o meu pescoço, de imediato prendi a respiração e logo os passos pesados dos meus seguranças chamaram minha atenção, me fazendo respirar ofegante com medo de colocar a mão para descobrir o que seja. Mas assim que ouvi uma doce risada infantil, consegui soltar o ar e descansar meus ombros, vendo que não era nada de mais ou grave.

— Desculpa te assustar, mais é que eu gosto muito de você, Nala, — me apertou mais. — Eu vou em todos os seus espetáculos e também quero ser bailarina quando eu crescer, — desfez o abraço, porém ainda continuou com os braços ao redor do meu pescoço.

Sorri, sentindo sua afetividade e alegria me contagiar, assim como os raios de sol nos atingem em cheio. Ser uma inspiração para essas garotas tão jovens é chocante em primeiro lugar, nunca me vi sendo tão boa em algo ao ponto de inspirar alguém. Quando comecei só queria dançar, expressar aquilo que sinto enquanto sou embalada pela melodia, por outro lado, é tão bom saber que por terem a mim como inspiração elas podem se dedicar ao ponto de mudarem suas realidades, diminuindo em 1% a criminalidade, prostituição, quem sabe sejam até melhores do que eu?!

A pequena tagarela ao meu lado começou a falar rapidamente de tudo o que gostava nos meus espetáculos, fiquei admirada dela ter apenas oito anos e conseguir prestar atenção em tantos detalhes, alguns eu nem me recordava mais.

Ouvi a voz do Paul, meu segurança, pedindo para ela se afastar um pouco e no mesmo instante isso a fez chorar ao meu lado.

— Ei, está tudo bem Paul, estamos apenas conversando. — Com cuidado encontrei o seu rosto e limpei suas lágrimas, após dar um sorriso — Como você se chama? — Perguntei, pois ela não havia me dito o seu nome.

— Zoe, eu estou usando uma blusa branca com sua foto e seu nome, eu gosto dela! — Disse empolgada.

Nos próximos cinco minutos, talvez, entramos em uma conversa sobre as coisas em comum que gostamos. A sua risada ao saber que também não gosto de sorvete de creme contagiou todos na mesa, até mesmo Ava, que tem de ser a mais séria da equipe. Na verdade, eu prefiro outros sabores que ao meu ponto de vista são bem mais saborosos como chocolate ou morango.

— Eu já vou mamãe, — percebi a agitação em sua voz. — Tenho que ir, você é minha bailarina preferida, a melhor de todas! — Me fez rir e me abraçou de novo.

Passei a mão nos seus cabelos sentindo a leve fragrância de morango dos seus fios.

Me lembrei que no bolso do meu sobretudo está dois ingressos para minha próxima apresentação, não sei o porquê coloquei ali, só senti que precisava trazer. Antes que ela fosse embora e não tivesse a oportunidade de nos encontrarmos novamente, me adiantei em entregá-la. Se antes eu queria ser discreta passando despercebida, Zoe resolveu anunciar para todos que estou aqui com seus pulos e gritos finos que me levaram a rir. Sua euforia chega a ser engraçada, consigo imaginar ela tendo um pequeno surto de felicidade por minha causa.