07. Eu sei que vou te amar...

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— Pai, será que podemos visitar a vó ainda hoje? — Soltei de repente, quando um silêncio estranho pousou sobre o ambiente.

Era claro para mim que meu pai ainda amava minha mãe. Isso era uma coisa que jamais irei compreender. Duas almas que foram destinadas a ficarem juntas, mas que por um momento, decidiram que aquele amor não daria certo.

Uma pena, pois se amavam.

E se o amor não foi suficiente, a culpa é do amor ou deles que não souberam amar?

— Claro. — O homem não me encarou ao dizer aquilo. Parecia distante e pensativo após toda aquela conversa sobre o amor.

Depois de alguns longos minutos, estacionamos no hospital e uma alegria tomou o meu peito. Estava ansiosa para ver a vovó.

Eu aguardava na ala de espera enquanto meu pai conversava com a atendente do hospital sobre a nossa visita. Quando recebemos a devida permissão, fomos em direção ao seu quarto dando de cara com um dos seus médicos.

O médico conversou por um longo tempo com o meu pai enquanto eu ouvia atentamente a conversa. De repente, eu não sentia mais toda aquela alegria, pois a notícia que recebemos não era tão agradável assim.

— A insuficiência cardíaca ventricular direita está afetando os pulmões por conta do mau bombeamento de sangue do coração. O fluido está retomando pelos pulmões por conta da falha do ventrículo esquerdo. E infelizmente, isso está prejudicando o ventrículo direito... Ela se encontra no estágio D da doença... É perigoso, pois se o lado direito perder a capacidade de bombear o sangue, ele irá se acumular nas veias do corpo. — Parei de ouvir o que o médico dizia, era torturante demais. Adentrei a porta do quarto de hospital, encontrando uma senhora com o olhar distante, fixos na janela do lugar.

Eu fechei a porta lentamente para não chamar sua atenção. Encostei o meu corpo na porta e a observei por alguns segundos: seus cabelos brancos levemente enrolados batiam nos ombros, seus olhos castanhos que observavam o lado de fora distraidamente e o seu rosto enrugado não diminuíam a beleza dela. Parecia alheia a qualquer problema da vida...

— Eu sei que eu vou te amar... — Comecei a cantarolar baixo, vendo que seu rosto se virou quase de imediato. — Por toda a minha vida eu vou te amar... — Eu vi um sorriso se abrir em seu rosto, um dos sorrisos mais belos que eu já tive a oportunidade de observar. — Em cada despedida eu vou te amar. Desesperadamente, eu sei que vou te amar...— Eu me aproximei da senhora, controlando minhas lágrimas que já anunciavam sua chegada. Me lembro do quando ela adorava cantar aquela música para mim, porque meu avô dedicou a ela quando disse estar apaixonado. Ela me dizia que ele cantava o tempo todo, lembrando o quanto a amava.

— E cada verso meu será... — Ela começou a cantar com sua voz suave e doce. — Pra te dizer que eu sei que vou te amar... — Beijei o topo de sua cabeça com um leve sorriso nos lábios. — Por toda a minha vida...

— Oi, vovó. — Soltei uma risada baixa, sentindo que as lágrimas pulavam de meus olhos com toda a emoção acumulada em meu corpo.

— Oi, meu amor. — Ela levou suas mãos em meu rosto, afastando os cachos que caíam desordenadamente. — Que saudades.

— Eu também estava vó... — Inclinei um pouco a cabeça para o lado, sentindo sua mão quente acariciar minha bochecha. — Como... Como está se sentindo?

— Como sempre, parece que nunca melhoro. — A senhora soltou uma risada baixa, afastando suas mãos de meu rosto. — Talvez esteja na hora de encontrar o seu avô, não é? — Um sorriso esperançoso surgiu em seus lábios, me fazendo abaixar a cabeça com um olhar triste ao pensar naquela possibilidade.

— Não fala assim... O avô pode esperar mais um pouco, não é? — Apertei minhas mãos, pensando no quão abatida ela devia estar para pensar essas coisas. — Eu... Eu ainda quero a senhora aqui.

— Me desculpa, meu bem. — Apertou uma das minhas bochechas, em uma forma de demonstrar carinho. — Eu ainda estou aqui, não estou? — Balancei a cabeça levemente, a vendo abrir um sorriso reconfortante. — E você? Como vão as coisas? Como está sua mãe? E Leyla e Yuri?

— Eu estou bem vó. Minha mãe ainda continua trabalhando bastante com a tia Leyla, e bom, Yuri ainda é o mesmo seboso debochado. — Ela riu do meu comentário.

— E a escola? — Perguntou.

— Estou indo bem também. — Agarrei uma de suas mãos, brincando com seus dedos enrugados. Um silêncio tomou conta do quarto, quando ela resolveu quebrá-lo.

— E o coração? Ainda não pretende se apaixonar? — Eu ri ao ouvi-la dizer aquilo. Minha vó, mais do que ninguém, sabia o quanto era apaixonada por romances mas que não desejava sobre hipótese alguma, viver um.

— Esse coração ainda anda teimoso. — Ouvi, mais uma vez, sua risada.

— Espero poder vê-la se apaixonar... — Seu comentário me causou novamente uma dor no peito. Como uma lança que atingiu diretamente o meu coração.

— Vó, a senhora acredita que destruíram um dos meus girassóis? — Tentei mudar o assunto em uma tentativa de evitar falar sobre a sua situação. Era doloroso demais.

— Por que fizeram isso? — Seu olhar era surpreso.

— Um menino arrogante que surgiu de repente no meu condomínio. Ele foi grosseiro e mal educado.

— Talvez esteja passando por algo difícil. Algumas pessoas, infelizmente, descontam nas outras. Não se deixe abater por isso. — Talvez esse meu lado gentil e positivo tenha vindo dela. Ela exalava tudo de bom desse mundo, mas digamos que o mundo não esteja sendo muito gentil com ela agora.

— Tem razão. — Declarei, ouvindo a porta do quarto se abrir e o meu pai adentrar o lugar.

— Oi, minha mãe. Como está hoje? — Meu pai se aproximou, abrindo o seu melhor sorriso. Eu pude perceber, em um pequeno segundo, que ele estava se esforçando para sorrir após ouvir tudo aquilo que o médico tinha a dizer.

— Estou indo, meu filho. E você? Precisa pegar um sol! Certeza que passa o tempo todo trancado naquele escritório corrigindo provas que futuramente trará depressão aos seus alunos. — Eu ri porque provavelmente minha vó tinha razão.

— Não é verdade. Hoje eu fui buscar minha filha e agora estamos aqui. — Ele se sentou ao meu lado, puxando um outro banquinho.

— Vocês não precisam se preocupar comigo. Precisam focar mais em vocês. — Se encostou na cama. — Eu estou feliz. Vivi intensamente tudo o que tinha para viver. Se... Se essa, talvez, for a minha hora, eu vivi intensamente. — Sua palavras fizeram uma lágrima escorrer de meus olhos só de pensar na possibilidade dela não estar mais aqui. — Por favor, não chore, querida. Você sabe que a hora chega para todos e a minha está se aproximando. Eu tenho 73 anos! Vivi tudo de bom nesses anos. — Ela apertou uma de minhas mãos. — Você foi um presente abençoado. Surgiu para me trazer mais alegria em tanto tormento. — Ela se referia ao fato de que meu avô morreu um pouco antes de eu nascer.

Eu o conhecia apenas pelas histórias incríveis que a senhora fazia questão de me contar.

— Eu não poderia ser mais grata por tudo que vivi. Então, por favor, não chore. Eu ainda estou aqui. — Eu assenti de leve e limpei os olhos, vendo o seu sorriso amável.

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