𝑬𝑪𝑳𝑰𝑷𝑺𝑬

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Antes que o ponteiro do relógio marcasse dois segundos, comecei a correr.

Eu sabia que não deveria fazer aquilo, ainda mais dentro daquele lugar que em questão de horas viraria o meu local de trabalho. Mas meu cérebro tinha mandado que minhas pernas corressem antes que eu pensasse em qualquer consequência de fazer isso.

A agonia se agravou pelo falo de que o rapaz que saira do banheiro poucos segundos antes agora tentava me alcançar. Eu não sabia mesmo porque estava fazendo aquilo. Contudo, pra o meu próprio bem, não consegui ir longe demais, ele havia me alcançado.

- O que foi isso? - Ele praticamente gritou e eu imediatamente o alertei com um "shh" exasperado pra que falasse baixo, pois alguém poderia escutar, tendo em vista que agora estávamos perto o suficiente de uma sala.
- Por que você correu? Perguntou quase sussurrando dessa vez.
- Você me assustou! O que você queria que eu fizesse depois de ver essa sua cara feia como quem fosse me matar? E ainda correndo atrás de mim.
- Eu corri porque você correu antes, né... Mas eu sei porque você fez isso.

Agora ele me lançava olhares de quem sabia até o meu pior dos pecados. Já eu fingia entender cada vez menos o que ele estava falando.
- Ham?
- Não me venha com seus fingimentos de quinta. Cadê o meu notebook?
- Notebook? Como assim? Eu não sei do que você tá falando.

Aquele se tratava de Alex, meu melhor amigo, que também era brasileiro e por um acaso nos esbarramos na universidade aqui na Coréia. Iniciámos o curso de Gestão de Empresas juntos, mas ele havia desistido no segundo semestre.

Certa vez, quando Alex já estava praticamente saindo da faculdade, estávamos na minha casa fazendo um dos milhares de trabalhos rotineiros de um universitário, que sempre fazíamos em dupla desde o primeiro dia de aula quando descobrimos que ambos vínhamos do mesmo país. Só que ele acabou esquecendo o aparelho na minha casa e deixou para buscá-lo no dia seguinte.

Bem, ele não apareceu no dia seguinte nem no outro dia e nem durante um ano inteiro. Eu já até cogitava a possibilidade de que ele havia voltado pra o Brasil, pois nem mesmo respondia as minhas mensagens. Então, com isso, eu talvez possa ter considerado que aquele notebook agora pertencia a mim. Bom, ele nunca foi pegar de volta e nem nunca mais ligou ou mandou mensagem. O que mais eu poderia fazer?

E foi justamente esse exato argumento que usei para responde-lo naquele instante.

- Que desculpa mais esfarrapada! Você sabia onde eu morava. Poderia ter ido verificar.
- Qual é, Alex? Você mora em Itaewon e eu em Gwansu. Não era como se fossemos vizinhos. E além do mais, eu vivia ocupada com a faculdade. Foi você quem não deu notícias!

Então minha audição obrigatoriamente desfocou das acusações de Alex para me concentrar em uma melodia familiar que vinha de dentro daquela sala, em que momentos depois eu notaria que, na verdade, se tratava de um estúdio.

O rapaz quis continuar, mas eu pedi silêncio. Talvez até de uma forma desagradável, porque aquela melodia não era novidade. Ela vinha de dentro de uma memória que de tempos em tempos espinhava meu coração.

Espiei, sem saber o que esperar ver, pela janelinha na porta. Havia uma mesa de som, depois uma janela transparente em que três... não, quatro caras, atrás dela pareciam ensaiar aquela música que apertava minhas emoções, trazendo dor e esperança do que encontraria lá dentro.

Será que só não era uma música muito parecida com aquela? E aí então o cara do meio subiu o rosto para iniciar a próxima estrofe

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Será que só não era uma música muito parecida com aquela? E aí então o cara do meio subiu o rosto para iniciar a próxima estrofe.

É, era a mesma música. Começava com as mesmas duas palavras da estrofe anterior, que eu não havia conseguido escutar direito por conta da voz barulhenta de Alex.

E também era o mesmo cara de três anos atrás que me presenteou com uma memória dolorida de dois completos desconhecidos vivendo um dia digno de se tornar roteiro de filme na Califórnia.

Quis tirar o rosto dali pois por algum motivo não queria que ele me visse. Mas, em contrapartida, eu queria continuar o assistindo. Apesar de doer. Eu sabia que tinha de retirar o rosto logo dali e começar a andar. E foi o que, de fato, fiz.

Só que na direção errada.

Ao invés de dar meia volta e rever Bella e Alex onde eu havia interrompido aquele reencontro maluco, segui em frente, onde do lado da porta havia uma grande e nítida janela igual a de dentro do estúdio. Mas que não havia percebido antes de dar dois passos meio atordoada com quem havia acabado de ver.

Só depois disso percebi que, agora, estava encurralada em um outro reencontro bastante desconcertante com o vocalista que, depois de uma olhada dupla confusa, saiu de dentro daquele lugar parecendo completamente perplexo.

E eu também estava

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E eu também estava.

Considerei correr de novo, teria dado certo da primeira vez se eu tivesse um bom motivo. Só que, novamente, eu não tinha um. Queria ficar e reve-lo. Queria perguntar tudo o que estava entalado há três longos anos.

Mas foi muito difícil decidir se eu deveria ir embora dali ou ficar.
Exatamente como no dia em que nos conhecemos.

Então, antes que desse tempo de tomar uma decisão, nossos corpos se alinharam, um de frente para o outro.

Assim como em um eclipse, em que o sol e a lua se encontram depois de muito tempo de espera.

So I Gonna Call You Beautiful Girl | WoosungOnde histórias criam vida. Descubra agora