8 - Londres.

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O caminho para Londres foi mais árduo do que Aziraphale pensou que seria. Ele estava nervoso. Durante a viagem ele repassava vários tipos de cenários em sua cabeça. O que fazer, o que iriam perguntar, o que ele deveria responder. Todos tinham chance de falha, mas tudo na vida tem, não é mesmo? Se tivesse que usar novamente sua autoridade de padre como vantagem, ele o faria. Não era algo feito com frequência, mas já o tinha feito algumas vezes.
Chegou na cidade depois das 18 horas e parou a caminhonete no estacionamento da igreja. Aquela altura já estava com bastante dinheiro em mãos, por conta nisso, em uma das paradas pelo caminho, ele comprou uma doleira* (*doleira é tipo uma pochete, só que mais fina e discreta*) para usar por baixo da roupa. Não confiava em deixar o dinheiro o tempo todo embaixo do banco; e para comprar nos estabelecimentos, ele usava a parte que estava depositada no seu cartão.
Entrou pela entrada principal da catedral com muito receio. Percebeu que desde o último incidente que o fizera ir à aquele lugar, não se sentia mais bem vindo. Ele foi até a ala administrativa para pegar a informação que desejava. Infelizmente havia vários turnos para cuidar dos assuntos burocráticos da igreja, então achar o espaço vazio era quase impossível.
_Boa noite! -disse ao outro padre que estava atrás do balcão de madeira envernizado e aparentava ter metade de sua idade-
_Pois não?
_Preciso de algumas informações.
_ Qual o seu nome?
_ Aziraphale Michael Fell.
O rapaz começou a procurar o nome dele no sistema.
_Aqui está. Bem vindo senhor! O que deseja saber?
Aziraphale respirou aliviado por não haver nada restringindo seu acesso ao local.
_Gostaria de ver os arquivos relacionados ao ataque no dia de São Patrício.
O jovem ergueu as sobrancelhas, sua feição demonstrava surpresa e descontentamento.
_Sinto dizer que não há muito registros sobre o caso.
_Como assim?
_Como virou um caso de polícia, tudo o que e refere ao incidente, está com eles.
_Sabe me informar qual a delegacia e qual o detetive responsável pelo caso?
_Acredito que isso deva ter no sistema, só um momento.
Aziraphale balançava a perna inquieto. Seria mais difícil do que pensava.
_Aqui está! É a cede central da policia de Londres, o detetive do caso se Chama Arthur Muller.
Forçando um sorriso para esconder sua frustração, Aziraphale responde:
_Muito obrigado pela informação. Até logo e uma boa noite.
_Senhor, antes de ir, não gostaria de ficar em um de nossos quartos?
O padre sabia que aquilo era uma pergunta padrão. Era dever de quem ficava na administração ser solícito aos membros da igreja.
_Não será necessário. Obrigado.

Aziraphale se retirou o mais depressa possível daquele lugar e respirou bufando alto. Como pegaria evidências da policia? Seria uma missão quase impossível. Ele deixou a caminhonete no estacionamento e resolveu dar uma volta a pé. Não prestou muita atenção a onde estava indo, sua cabeça estava muito cheia, ele apenas deixou seu instinto o guiar. Passou em frente a um estabelecimento que lhe pareceu familiar. Ele para em frente a fachada e observa com atenção. Era o bar em que o Crowley costumava trabalhar. Ele entrou, pediu uma bebida. Dessa vez ele pediu uma doze grande de Lady Cherry e se sentou no canto perto dos livros com o fez no passado. Estava cansado, zangado e frustrado. Mas o destino lhe daria uma mãozinha.
_Padre! A quanto tempo!
Aziraphale se vira para ver quem era.
_ Muriel! Como vai?
_Eu estou muito bem senhor, e você?
_Bem também. Gostaria de me acompanhar?
_Claro, porque não?
*
Muriel era uma jovem mulher com o ar muito inocente. A última vez que Aziraphale a viu, ela estava com problemas. Foi por conta disso inclusive, que se conheceram. A dois anos atrás enquanto fazia seus trabalhos voluntários, ouviu uma gritaria perto de onde estava. Uma mulher gritava desesperadamente enquanto dois policiais a abordavam.
_O que está acontecendo? Pergunta ao se aproximar.
_Se afaste senhor, isto é um caso policial.
Aziraphale aponta para o colarinho reforçando sua autoridade religiosa.
_Sinto muito senhor, mas você não tem jurisdição aqui! -respondeu o oficial educadamente-
_Posso pelo menos saber o que aconteceu?
O policial suspira, não gostaria de dizer nada, mas percebeu que não se livraria do padre se não dissesse algo.
_Ela foi pega roubando.
_Roubando o que?
_Comida -responde com desdém - É só mais uma rata de rua.
_Deixe-me falar com ela, sim?
_Mas senhor...
_Vai impedir um padre de cumprir sua missão de ajudar os necessitados?
_Tudo bem então, prossiga.
O oficial aponta a cabeça para o colega indicando que ele poderia passar.
_O que houve minha jovem?

_O que o senhor quer? -responde em um tom bravo e com os olhos cheios de lágrimas - Veio me julgar também?
_Não! Vim ajudá-la. O que houve?
_Eu roubei padre... -responde chateada cruzando os braços -
_O que você roubou?
_Pães... presunto e... um requeijão. Eu ia pegar um refrigerante também, mas me pegaram primeiro. -ela ri em meio as lágrimas-
_Você não tem dinheiro?
Ela balança a cabeça em negação enquanto chora.
_Eu estou morrendo de fome padre, eu juro. Está sendo difícil.
_Viram? Não é nada demais. Podem soltá-la. Eu pago pelo que ela roubou.
_O senhor não pode fazer isso.
_O senhor não tem muito o que fazer não é? Acha que vale a pena levá-la a delegacia, fazer um boletim de ocorrência e prendê-la? Todo esse trabalho porque ela roubou comida?
O policial ficou sem saber o que dizer.
_Pode levá-la então. Mas se eu a ver de novo, ela vai presa!
_Venha criança, vamos.
Muriel o acompanhou sem entender direito o que aconteceu.
_Conheço uma ótima confeitaria aqui perto. -disse com ternura-
Sentaram numa mesinha de madeira redonda com o centro de vidro. A mesa estava com uma toalha curta de estampa xadrez vermelha. Eles estavam embaixo de um toldo listrado.
_Peça o que quiser.
Muriel o olhou sem acreditar.
_Vamos. O que você quiser. -reforçou-
Ele estendeu o cardápio para ela, que abriu um enorme sorrido juvenil, como se fosse uma criança. A garçonete veio atendê-los.
_O que vão querer hoje?
_Eu quero um Croissant, requeijão, um pedaço de bolo de chocolate e uma xícara grande de café? -Ela olha Aziraphale como se pedisse permissão. Ele acena levemente em tom de aprovação-
_E para você santidade?
_ Uma xícara grande de chá.
Muriel coloca as mãos entrelaçadas no colo. Estava nervosa.
_Muito obrigada senhor. Eu nem sei como te agradecer.
_Estou apenas cumprindo meu dever, querida. Mas eu preciso perguntar, porque realmente roubou?
Ela abaixou a cabeça.
_Estou com problemas financeiros. Estou morando no meu carro. E as coisas tem sido difíceis sabe.
_Foi o seu primeiro delito?
_Sim senhor.
_Porque não foi a uma instituição de caridade? Há várias aqui em Londres.
_Eu não conheço a cidade muito bem.
_Tem parentes aqui?
_Não senhor.
_Porquê está aqui então?
_Eu vim tentar seguir a carreira de atriz. Mas não tem dado muito certo.
_Muita coragem sua vir nessas condições.
_Na verdade, eu vim do interior. Eu tinha uma boa vida lá.
Muriel é interrompida pela garçonete.
_Aqui está! Bon appétit!
Ela começa a comer com muita satisfação.
_Hum isso é tom bom!
Aziraphale toma o chá e a espera comer para continuar a conversa.
_Então, você estava dizendo...
_Desculpe. Eu sou do interior, meus pais tem um pequeno negócio. Trabalhei junto com eles e juntei um dinheiro. Fiz o curso de teatro na cidade próxima ao meu vilarejo. Quando cheguei não achei que demoraria tanto tempo para começar a trabalhar, mas aqui estou...
_E porque você não voltou para casa?
_Vergonha. Meus pais não sabem de nada ainda. Não posso decepcioná-los, entende?
_Já pensou em arrumar um emprego?
_ Eu arrumei uns bicos aqui, uns ali, fiz algumas audições, mas não deram em nada. Não tenho muita experiência.
_Venha comigo. Vamos fazer umas compras e vou te passar o endereço de vários lugares de Londres onde você pode conseguir comida de graça.
Ela se aproximou de Aziraphale, pegou suas mãos e as beijou.
_Muito obrigada vossa excelência, muito obrigada!
_Não há necessidade de tal gesto criança. Vamos!
No mercadinho, Aziraphale a deixou escolher o que quisesse, mas deu algumas sugestões; por alguma razão, era muito satisfatório vê-la feliz. Ela era de uma inocência que ele jamais havia visto. Muriel os guiou até o seu carro. Aziraphale viu muitas coisas abarrotadas dentro do automóvel. Ela abriu o porta malas para mudar algumas coisas para lá. Colocou as sacolas com as comidas no banco de trás e se virou para o padre.
_Muito obrigada
_Não terminamos ainda.
_O que o senhor quer dizer?
_Venha comigo.
Ele entrou no banco do motorista e a jovem moça o seguiu. Aziraphale a levou a um simples hostel. Muriel aguardou acuada, enquanto ele falava com o rapaz da recepção.
_Venha!
Ambos subiram a escada, Muriel ficou apreensiva. ‘Sabia que nada vem de graça’ ela pensa. Vários cenários horríveis se passaram em sua cabeça. ‘Isso que dava ser ingénua demais’. Aziraphale abriu a porta e disse.
_Este é o seu quarto.
_Meu quarto? Mas eu não tenho...
_Está tudo arranjado. Paguei um mês pela sua estadia aqui.
Ele estendeu um papel em sua direção.
_Aqui estão os endereços das instituições que te falei e um telefone de um amigo que pode te arrumar um emprego. Quando ligar para ele, diga que o senhor Aziraphale Michael Fell está cobrando um favor.
_Ela o abraçou e chorou sobre o seu peito. Muito obrigada senhor. Mas...
_Não se preocupe, Deus me dará em dobro. Adeus criança, e boa sorte!
Muriel não estava acreditando no que estava acontecendo. Era algum tipo de sonho? Ele era uma espécie de anjo?
*
_E como vai a vida de atriz?
_Ah eu dei um tempo. As vezes faço algumas audições, mas nada demais.
_E o que você anda fazendo agora?
_Gerencio uma loja de livros.
_Nossa que maravilha!
_Você poderia passar lá um dia desses. Sou muito grata ao senhor, por tudo o que fez por mim.
_ Não foi nada e quem sabe eu não passo por lá, eu amo livros!
_Eu não pude deixar de notar... O senhor está bem? Parece abatido.
_Eu vim resolver uma questão, mas não acho a solução.
_Eu posso ajudar em alguma coisa?
Aziraphale estava bêbado e frustrado o suficiente para que seu filtro estivesse ido embora.
_Se você souber como entrar numa delegacia e pegar uma evidência que vai inocentar uma vítima, pode me avisar. -disse sarcasticamente-
Muriel franzi o semblante sem entender muito bem. O mesmo homem que pediu para que ela não roubasse, estava cogitando a ideia de roubar?
‘Mas deve ter uma boa causa... Ele nunca seria capaz de machucar ninguém...’  pensou consigo mesma. Tomada pelo desejo de retribuir o que ele fez a uns anos atrás, ela diz.
_Eu li num livro uma vez que um personagem usava o ponto sentimental para convencer um policial a pegar as evidências, enquanto outra pessoa fazia uma distração. Era um livro de mistério muito interessante. Vale a pena ler.
O padre arregalou os olhos.
_É isso! Muriel, você é um gênio! Mas quem eu poderia chamar?
Ela ergue a mão e sorri alegremente.
_Eu aqui senhor! Eu me voluntario.
_Não, pode ser perigoso, você é uma boa menina, não quero que vá presa.
_Mas eu não preciso roubar nada. Só preciso fazer uma escândalo! -ela diz sussurrando e sorrindo como uma adolescente empolgada- O que o senhor acha? Ah, e não esqueça que posso usar meu dom de artes cénicas para isso!
_Oh Muriel, muito, muito obrigado!
_Está na hora de eu devolver o favor senhor.
_Anote meu telefone e vamos acertar os detalhes amanhã, pode ser?
_Claro, claro. -Aziraphale pega o aparelho e tenta salvar o número, mas teve dificuldade pois aquilo de mexer com tecnologia era novo para ele.
_ Aqui, deixe me ajudá-lo.
_ Ah, obrigado – ele responde aliviado- Eu te ligo amanhã para marcarmos os detalhes.
_Fico no aguardo então, até amanhã.
Muriel sai alegremente e Aziraphale fica sem acreditar. Ele fecha os olhos e agradece. Alguém também queria que ele fizesse isso. Só torcia que esse alguém fosse o lado bom.
*
Aziraphale acabou dormindo demais, ele se levanta assustado ao ver que é quase meio dia. Estava muito acostumado a acordar cedo, mas desde que saiu para se aventurar, seu sono estava muito desregulado e ele andava muito cansado. Se arrumou, e olhou o celular. Tinha várias chamadas não atendidas e sabia que eram de Crowley. Pensou em retornar as ligações, mas se deteve. Se ligasse para ele ia teria que mentir, e sua cota para mentiras era curta e teria que usa-lá para a tarefa de hoje. Ao invés disso, ligou para Muriel.
_Boa tarde, tudo bem?
_ Olá vossa excelência, como está?
_Não há motivos para tanta formalidade. Me chame de Sr Fell, por favor.
_Tudo bem... vou tentar... Sr Fell.
_Gostaria de almoçar comigo, para discutirmos os planos?
_Claro, onde o senhor está hospedado?
_Num pequeno hostel em Soho, chamado 'Heaven's Gate'.

_Ah eu conheço, é bem aconchegante e barato, já fiquei hospedada aí um tempo. Foi onde o senhor me pagou um mês de estadia, lembra?
_Ah, claro! Me esqueci completamente.
_Te busco daqui 15 minutos.
_Tudo bem então, fico no aguardo.
Aziraphale se arrumou rapidamente e ficou à espera na calçada. Sentiu o celular vibrar no bolso, pegou, olhou a tela e ignorou a chamada. Ele não podia se distrair agora. Um carro modesto na cor branca estacionou no meio fio, uma mulher acenava alegremente e indicava a ele que podia entrar.
_Boa tarde, vossa...
Aziraphale a repreendeu com um olhar.
_Sr Fell, como está?
_Muito bem obrigado. Conheço um lugar ótimo para a gente almoçar.
_Ah não Sr Fell, EU que vou te levar num local ótimo para almoçar. Gosta de sushi?
_Sim, muito, inclusive.
_Que bom! É para um lugar assim que vamos!
Chegando no local, se sentaram a mesa e não demorou muito para que fossem servidos.
_ Muito obrigado Muriel.
_ Que isso senhor Fell, é o mínimo que posso fazer. Então... O que devemos fazer? Tirei o resto do dia de folga para te ajudar.
_ E isso não vai te prejudicar? Eu não quero...
Muriel o interrompe.
_Eu sou gerente agora! E é meio da semana, costuma ser tranquilo na loja.
_ Então... Vou ser sincero com você Muriel. Estou ajudando um amigo que não está numa situação muito boa. Eu preciso pegar as chaves do apartamento dele, para pegar umas coisas que ele precisa.
_ Se me permite... Ele cometeu um crime?
_ Mas ou menos. Enfim, eu preciso pegar as chaves. Tem certeza que você quer me ajudar?
_ Faço questão senhor Fell, depois de tudo o que fez por mim.
_ Muito obrigado Muriel.
_ Mais uma coisa senhor Fell, como é o nome do detetive responsável pelo caso?
_Arthur Muller.
_Eu já escutei esse nome...
Essa observação deixou Aziraphale um pouco preocupado. Teve receio de que se ela soubesse de qual caso se tratava, pudesse desistir de ajudá-lo.
_ É mesmo?
_ Se não me engano, ele foi destinado a cuidar do caso do massacre dos padres, certo?
_  Certo! O que mais sabe sobre ele?
_ Eu li que ele é um ex devoto da igreja. A filha dele morreu em um acidente de carro. Acho que foi por isso que ele perdeu a fé e talvez seja a razão de, talvez, terem dado o caso a ele sabe?
_ Não sei se entendi.
_ Sabe alguém que um dia teve ligação emocional com algo, e não tem mais. Pode ser uma combinação motivacional para querer encerrar o caso.
_ Talvez... Mas... Meu plano consiste no seguinte: Preciso convencer ele a me mostrar as chaves, assim que ele o fizer, te envio uma mensagem no celular falando para começar a distração. Faça com que te tragam para dentro da delegacia. Depois, você pode fingir que está passando mal, eu te ofereço o meu acento e te dou o sinal para você pegar as chaves e substituir por outra... O que acha?
_ Uau! Muito inteligente senhor Fell. Mas, Eu tenho uma sugestão.
_Pode falar.
_ Posso falar sobre a morte de algum parente no meio da encenação. É maldade, mas como o detetive perdeu a filha, pode ser mais fácil dele simpatizar comigo.
_ Ótima observação Muriel! Ótimo!
_Senhor, eu não vou pro inferno por conta disso não é?
Perguntou preocupada.
_ Não, claro que não querida. Estamos a serviço de Deus! Confie em mim, não há nada com o que se preocupar.
Respondeu comendo mais um sushi.
Deram uma parada rápida na casa de Muriel. Ela disse que precisava pegar umas coisas antes de irem na delegacia, Aziraphale esperou pacientemente no carro, mas não demorou muito.
_Vamos nessa Mr. Fell?
_ Claro – respondeu dando um longo suspiro, tentando esconder o quão estava nervoso - Vamos nessa!
*
Agora era oficial! Fazia três dias que Crowley não falava com Aziraphale e isso estava deixando ele maluco. Passava horas ao lado do telefone e se tivesse que sair para fora fazer algo, tentava aguçar sua audição o máximo possível para ouvir qualquer barulho que viesse do lado de dentro da casa. Não conseguia ler, não conseguia relaxar. O único momento que as vezes, conseguia distraí-lo, era cuidar dos animais. Animais estes que jamais estiveram tão amedrontados em toda vida. Quando Crowley saiu pela terceira vez para alimentá-los, parecia que toda a vida tinha se extinguido do local. Os animais não emitiam um som, nem faziam um barulho sequer quando ele estava por perto. Todos se encolhiam dentro de seus espaços, apreensivos. Por conta disso, Crowley fazia questão de fazer a tarefa  vagarosamente, infligir o medo e o terror neles, através de gestos e olhares, por algum motivo, o entretinha.
Crowley estava a ponto de entrar em colapso. O telefone não tocava, Aziraphale não atendia suas ligações, não lhe mandava mensagens. Os piores cenários possíveis passavam pela sua mente. Se algo acontecesse a ele, ia ser sua culpa. Resolveu ir na igreja dar uma volta do lado de dentro. Estava cansado de andar em círculos pela casa. Olhou com atenção cada metro quadrado do local. Tocou com a ponta dos dedos: o altar, a bíblia, as paredes de pedra, os bancos. O fez para se distrair. Se deu conta de que nunca participou de uma missa, pelo menos, não que se lembrasse. Nem vira o padre ministrar uma. Passava tanto tempo na casa, que nunca reparou quando os fiéis apareciam, nem quantos costumam vir. Era uma parte da vida de Aziraphale que ele não conhecia com detalhes.
Depois de um tempo, ele apenas se sentou em um dos bancos de madeira. Se sentia inútil e impotente. Mesmo que saísse à noite para procurar Aziraphale, não havia garantias que conseguiria encontrá-lo. Mas, decidiu que esperaria  mais 24 horas. Se não tivesse notícias, daria um jeito de sair para procura-lo, nem que isso custasse a sua vida! Ele se curva, coloca os cotovelos nas coxas, cruza os dedos, apoia a cabeça sobre eles e diz:
_ Eu não sei como isso funciona. Nunca rezei na minha vida. Mas se existir alguma coisa superior que seja boa, por favor, eu peço que cuide e proteja ele. Eu sou o pecador aqui, ele só está tentando me ajudar, ele é uma boa pessoa! Por favor, universo ou Deus ou o que quer que seja, traga Aziraphale de volta a salvo! Eu imploro.
*
Aziraphale entrou na delegacia e se dirigiu a recepção. Se lembrou que não sabia em que horário o detetive trabalhava, mas já estava ali, não tinha como voltar atrás.
_ Boa tarde senhor, tudo bem?
_ Boa tarde, no que posso lhe auxiliar hoje?
_ Gostaria de falar com o detetive Arthur Muller se possível.
_ Tem algum horário marcado?
_ Não! Mas é de extrema importância que eu fale com ele.
_ Olha, não sei lhe dizer se ele está disponível, e se estiver não sei se ele vai te atender.
_ Diga a ele que sou um padre da catedral e que tenho informações importantes em relação ao massacre do dia de São Patrício.
Aziraphale esperou pacientemente pelo oficial. Estava nervoso. Era a primeira vez que ele fazia algo como aquilo e o medo de que tudo desse errado começou a crescer em seu peito. Ele respira profundamente e quando vê o policial retornar, ele sorri e escuta:
_Por aqui senhor.
A área de investigações da delegacia era composta por uma sala ampla que continha várias mesas. Em cima delas era possível ver o padrão de um computador para cada e três cadeiras; uma para o operante, e outras duas para quem fosse ser entrevistado. Não possuía divisórias entre as mesas, e ao fundo, havia uma sala separada que pertencia ao capitão encarregado daquela unidade investigadora.
O detetive tinha aproximadamente a idade de Aziraphale. Ele era ruivo, barba feita e olhos azuis cansados. Ele se levantou da mesa e estendeu o braço para cumprimentara-lo.
_ Boa noite vossa graça.
_Não há necessidade de tais formalidades.
Respondeu o padre sem graça.
_Então o que o senhor tem para mim?
_Eu acredito que posso ajudar na investigação. Eu ministrei algumas missas em Hornchurch, e vi um homem muito parecido com o que vocês estão procurando.
_Sabe me dizer o nome dele?
_Não sei dizer. Evitei ter contato com ele, entende?
_Claro que eu entendo. Melhor não deixar certas coisas aparecerem não é?
_Se o senhor está insinuando alguma coisa... -Aziraphale respira fundo e tenta manter o tom de voz calmo- Eu apenas me precavi. E além do mais, se o senhor acompanhou bem as noticias, eu fui depor contra meus colegas... O único, aparentemente. Então não há razões para o senhor me atacar com indiretas como um adolescente e duvidar de minha integridade.
_O senhor é bem respondão para um padre, não? Vou considerar seu pedido. Quais horários ele costumava ir?
_Nos domingos pela manhã e na missa das Quartas-feiras.
_ É só isso?
_ E mais uma coisa. Gostaria de fazer um pedido.
O policial o encarava de braços cruzados, encostando na cadeira.
_Eu gostaria de poder ver o apartamento do individuo.
_Por que?
_Porque eu sou muito bom em perceber as coisas e.... Pessoas.
_Não faz sentido nenhum o que você está dizendo.
_Se eu descobri o que os meus colegas estavam fazendo, talvez, eu possa ver algo que vocês não viram.
_Você? Um padre? Melhor que os meus homens? Por favor! Não acha que está exagerando?
_Não custa tentar.
O detetive ficou tentado a aceitar a proposta. Estava estagnado na investigação, mas, aquilo era passar dos limites.
_Não posso.
_Posso pelo menos ver as provas recolhidas? Quem sabe eu não reconheça alguma coisa.
O detetive se curvou sobre a mesa e entrelaçou os dedos. Com um tom ameaçador disse:
_Tem algo que você esteja escondendo padre? Porque se tiver, eu vou descobrir. Se eu trouxer as provas aqui e você olha-las e eu perceber um lampejo de dúvida, não vou hesitar em prendê-lo. Você entendeu?
_Não tenho nada a esconder! -respondeu com firmeza-
_ Eu já volto.
Aziraphale aproveitou a deixa para mandar uma mensagem para Muriel.
“fique preparada, daqui a pouco vou te dar o sinal”
No mesmo instante ela respondeu:
“OK”
Aziraphale deixou a mensagem de “AGORA” pronta no rascunho e assim que o Arthur Muller se sentou a mesa e enfileirou as provas a sua frente, ele enviou a mensagem.

Uma mulher de preto entrou na delegacia. Ela estava usando um chapéu pequeno também na cor preta que possuía um tule curto no rosto. Ela segurava uma bolsa pequena junto ao corpo e um lenço na mão. Se não fosse pelos gritos, Aziraphale não saberia quem era.
_MEU MARIDOOOOO! PORQUE! PORQUE!
Vários policiais chegaram perto da mulher para ver o que estava acontecendo. Arthur se levantou para saber qual o motivo daquela agitação. Foi quando Aziraphale aproveitou o momento para ver se alguma chave estava entre as provas colocadas no saquinho. E voá-la! A chave! Mas estava muito exposto para poder pegá-la sem ser notado.
Ele olhou para Muriel que levou um tempo para achá-lo, até que ela foi em sua direção.
_PADRE! QUE BOM TER UM PADRE PRESENTE AQUI!.
Aziraphale ofereceu o seu lugar.
_Sente-se minha filha!
_Oh padre, estou tão aflita!
Se debruça sobre o peito de Aziraphale.
_Está tudo bem! Vai ficar tudo bem...
Aziraphale percebe que a maioria voltou para seus devidos lugares, já que a situação parecia estar contida. Ele precisava tirar arthur da mesa.
_Você pode alcançar um pouco de água para ela, sim?
Aproveitando que o detetive os deixou a sós, Aziraphale junta as mãos sobre as de Muriel e fala baixinho como se estivesse rezando:
_Preciso que você cause uma distração maior. Está vendo o saquinho próximo a mesa?
Ela olha na direção indicada.
_É a chave que preciso!
Ela acena levemente com a cabeça indicando que entendeu.
_Amém!
Quando o detetive entregou o copo de água a Muriel, ela pega o copo plástico branco e joga todo o liquido sobre o policial.
_Vocês são uns incompetentes mesmo! Sabe porquê meu marido morreu?? Porque vocês não fizeram nada -a voz dela embarga- NADA POR ELE! NADA!
O padre viu o rosto dela mudar completamente e uma chuva de lágrimas saía de seus olhos. Por um momento ele ficou impressionado e esqueceu o que tinha que fazer. Mas para o seu azar, a atuação de Muriel não gerou o resultado desejado. O detetive ficou furioso!
_Prendam essa mulher por desacato, até que ela se acalme!
_Não há necessidade para isso oficial!
_Então tire ela da minha frente!
Aziraphale havia prometido que não deixaria ela ser presa.
_Venha comigo, sim?
Muriel olhou para ele sem entender e o seguiu. Andaram em silêncio até o hall da delegacia.
_Se troque, e ache um lugar próximo para nos encontrarmos daqui 10 minutos, ok?
_ O senhor conseguiu?
O padre acena com a cabeça em negação. Muriel olha para o chão decepcionada por achar que não fez o trabalho direito.
Aziraphale a segura pelos ombros.
_Não é sua culpa, nada disso é! Acharemos outro jeito! Agora vá antes que alguém suspeite de algo.
Ele observa ela sair, enquanto tenta achar uma desculpa para voltar e falar com o detetive. Mas sabia que seria rejeitado, pois o mesmo, estava muito irritado. Mas precisava fazer alguma coisa, até que escuta alguém atrás dele chamá-lo. Era um homem de no máximo 30 anos, alto, moreno, de pele retinta.
_Aziraphale certo?
_ Sim, sou eu... Eu te conheço?
_Não! Eu sou do setor de investigações. Não pude deixar de ouvir a sua conversa com o detetive Muller.
_Ah sim, aquilo...
_Acho que posso ajudar o senhor.
_Pode? Como?
_Aceita um café?
_Não obrigado.
_Eu acho que o senhor DE-VE-RI-A aceitar...
Aziraphale segura o copo com receito, afinal, o tom de voz, apesar de calmo, sinalizava ameaça.
_O Arthur é o encarregado da investigação. Ele está com raiva porque não consegue resolver o caso.
_Compreensível. -Aziraphale não entendeu qual o motivo de toda aquela conversa fiada-
_Ele é o melhor, por isso colocaram ele no caso. Mas todo mundo da unidade sabe o que ele acha sobre tudo isso.
_E o que é?
_Ele está feliz sabe, por dentro. Muller acha que eles tiveram o que mereceram.
Aziraphale no fundo concordava com isso. Mas não podia dizer em voz alta.
_Vamos deixar que Deus faça isso. Respondeu com cautela.
_Meu tio era um deles...
_Como assim?
_Meu tio era um dos padres...
_Nossa! Eu sinto muito!
_ Pode ser estranho o que eu vou dizer, mas ele era um bom homem. Ele me criou quando meu pai foi embora, mas infelizmente era ganancioso demais. Nem a igreja conseguiu tirar isso dele.
_Como ele morreu? Se me permite perguntar.
_Com as mãos cortadas.
_Oh, minha nossa!
_O senhor não leu os arquivos? -perguntou confuso- Quando vocês ainda não tinham acesso restrito?
_Não... Não tive coragem. Só acompanhei o que passaram na TV.
_Nem todo mundo aguenta mesmo, é muita coisa!
Aziraphale se sentiu enjoado por um momento. Sabia que Crowley havia sido cruel, mas não sabia até que ponto. Na verdade, nunca se importou em procurar saber. E por enquanto, preferiu continuar assim.
_ O senhor está bem? -perguntou ao ver a cor sumir do rosto do padre a sua frente-
_Estou sim. Obrigado pelo café, melhor eu ir andando.
_Se há alguma chance do senhor trazer uma resolução para esse caso, eu gostaria de dar um passo de fé.
Aziraphale estranhou a atitude, até ver o policial tirar de dentro do uniforme um colar de São Judas Tadeu, que estava pendurado em seu pescoço (santo das causas perdidas). O policial se aproximou e disse baixinho.
_Quando sair, dê uma olhada no seu café. Conto com você padre!
_Obrigado?!
Ele ri sem graça e se dirige até a saída.
Andando alguns metros a frente, Aziraphale percebe que ainda segura o copo de café em mãos, que aquela altura a bebida já deveria estar fria; mas, ele para no meio da calçada e abre a tampa plástica. Dentro não havia liquido algum. Aziraphale estava tão distraído que nem percebeu. Porém ele sorri ao ver um molho de chaves e um endereço escrito a mão no interior das paredes do copo de papel e no fundo dizia: “Boa sorte!” :)
Aziraphale sorri vitorioso, olha para o céu e diz “Obrigado”. Ele sente o celular vibrar e atende, presumindo que fosse Muriel.
_ Oi Muriel!
Mas é interrompido.
_FINALMENTE!
Era Crowley e ele não estava nada feliz.
_Oi... Crowley...
Respondeu com a voz baixa
_Onde você se meteu? Esqueceu o caminho de casa foi?
_Eu estou ocupado.
_Onde você está?
_ Em Londres...
_O que você faz em Londres? Eu te falei para não ir aí!
_Eu tive que vir... Tem coisas que não achei nas cidades vizinhas para comprar.

Crowley suspira do outro lado da linha.
_Me desculpe! Não queria te preocupar...
_Você vai me matar do coração qualquer dia desses!
_Amanhã eu volto para casa. Até a noite eu chego.
_Tudo bem... Só... me atende quando eu ligar está bem?
_Tudo bem.
_Me promete?
_Prometo. Eu tenho que ir. Te vejo daqui a algumas horas.
_Inacreditável! -Exclama Crowley olhando o telefone em sua mão-
*
_Muriel, querida, onde você está?
_Estou no final da rua ArtHall, passando a imobiliária, o senhor vai me ver acenar.
_Já estou indo.
*
_O senhor demorou. Achei que...
_Entre no carro.
_O quê?
_Entre no carro! Conversamos no caminho.
Aziraphale esperou que se afastassem da área da delegacia para começar a falar, mas Muriel o interrompeu.
_Me perdoe padre, se o senhor estiver bravo comigo, eu vou entender...
_Bravo? Você foi magnífica! Nunca vi ninguém chorar assim, do nada! Eu achei, nossa, incrível! Não sei porque não te deram um papel no ramo, não faz sentido... -Aziraphale começa a divagar-
_Mas não deu certo, o plano!... Eu tinha planejado fazer outra abordagem, mas não saiu como eu esperava.
_ Não importa, as vezes, os planos mais simples, são os mais eficientes... E... Sobre isso... Eu tenho uma boa noticia! -ele ri orgulhoso- Um policial escutou a minha conversa com o detetive e resolveu me dar um “passo de fé”.
_ E o que isso quer dizer?
_Que ele me deu o endereço E a cópia da chave de onde meu amigo mora!
_Que ótimo! Uau! Isso é demais Sr Fell!!
_Acho que alguém lá em cima quer nos dar uma mãozinha hein.
_ Eu aposto que sim! -disse Muriel com um enorme sorriso- Então, agora que tudo terminou, o que o senhor vai fazer?
_Justiça minha criança, justiça!

Muriel o deixou na entrada do hostil.
_Chegamos! Certeza que o senhor não quer ajuda para mais nada? Eu ainda posso ser útil!
_Não minha filha! Você já fez muito por mim, e lhe sou eternamente grato!
_Ah o que é isso! É o mínimo, depois de tudo o que fez por mim!
_Você tem que parar de dizer isso!
Ela o abraça repentinamente.
_Até um dia desses Mr Fell!
Aziraphale a observa ir embora e entra no hostil para pegar suas coisas. Próxima parada: Apartamento do Crowley!


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Então pessoal, caso tenham interesse em  sugerir (quando acabar a fic, farei um spin off e gostaria de sugestões de coisas que vcs gostariam de ver eles fazendo juntos), mande uma mensagem pra essa autora que vos fala, usando o e-mail
latierelinca@gmail.com
O mesmo e-mail pode ser usado para dar um incentivo (💸)?!?!
LEMBRANDO que NADA vai mudar, vou continuar POSTANDO NORMALMENTE como SEMPRE FAÇO . Foi apenas uma SUGESTÃO que uma amiga me deu, e vou testar ela.
Até o próximo capítulo.
❤️❤️❤️


Holy Sin (Pecado Santo)Where stories live. Discover now