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╰────1006 palavras

Ela desce correndo as escadas de incêndio. Em terra firme, uma janela quebrada chama sua atenção. No vidro que resta há uma garota suja de pele cor de pérola, cuja blusa laranja se vê quase tão rasgada quando as faixas brancas nas mãos e braços. Sente-se um bagaço. Só com as mãos mesmo, tenta pentear os fios desgrenhados, que parecem petróleo escorrendo pelos dedos. Mesmo do jeito curto que ela gosta, permanecem indomáveis, assim como o verde feroz de seus olhos.

Repreende-se imediatamente e volta a correr. Não é hora para isso.

Infelizmente não o encontra na bagunça que ele costuma chamar de Oficina do Rodd. É de um vizinho que obtém sua localização atual. Dedos pode até ter uma reputação duvidosa, mas as pessoas são legais. Às vezes.

⎯⎯  Como assim "quem é Tessália"? ⎯⎯  grunhe o velho calvo que joga paciência à beira do córrego. ⎯⎯  Em que mundo tu vive, Cha?

⎯⎯  Eu estive ocupada, tá?

⎯⎯  Hum. Tõ vendo. Esse projeto de armadura aí te protege de alguma coisa maior do que um gnomo de jardim?

⎯⎯  Me fala logo onde é a casa dessa garota!

⎯⎯  Tessália Morgan é a mais nova chefodona dos felinis. Sim, os pais morreram recentemente de FIV. Ou foi AIDS? Esses híbridos são questões filosóficas ambulantes. De qualquer forma, o clima não tá bom pra tu ir lá tirar o brinquedo novo dela.

⎯⎯  Não quero tirar nada de ninguém. Ele faz o que ele quiser. Mas, agora, eu preciso de um bom mecânico.

⎯⎯  Tá certo, tá certo. Não vá falar que eu não avisei. Ela mora lá no Quinto, na Mansão dos Gatos.

⎯⎯  Só faltava essa. Me empresta sua moto.

⎯⎯  Não.

⎯⎯  Valeu. Vou devolver ainda hoje, prometo.

A moto do Beto Lavadeiro é uma scooter cuja linha Cha nem sabia que ainda existia. Mas ela consegue atravessar três dedos sem reclamações. Um muito obrigado à motinha do Beto, que descanse em paz no céu das motos.

Dedos pode parecer tudo a mesma coisa para quem vê pela primeira vez: quarteirões e mais quarteirões abarrotados de edifícios de mais de três andares ladeados por ruas estreitas e habitado por pessoas comuns em meio a figuras marginalizadas enxertadas com implantes cibernéticos mais do que ilegais. Mas nada é tão simples. Os dois primeiros dedos são controlados pelo pulso de ferro dos canis. Os dois últimos, pela fria astúcia dos felinis. Enquanto isso, o dedo do meio pertence aos humanos (principalmente). Só uma coisa une as três espécies, e o governo de Judah, o "Leão Da Tecnologia", é responsável por isso.

⎯⎯  Não acredito nisso. ⎯⎯  Cha resmunga enquanto desvia dos carros com dificuldade. Esse é o horário em que o viaduto fica mais cheio e os motoristas menos pacientes. ⎯⎯  Ele tá saindo com uma GATA!

Escuta a explosão antes de vê-la. Veio de uma belíssima mansão no topo de uma colina. Toda branca, é duas vezes maior do que o prédio sobre o qual Cha mora e dona de uma arquitetura moderna que a faz parecer uma torre de gatos. Por sinal, é isso o que está escrito no portão principal enquanto a lutadora discute com o porteiro humano a fim de deixá-la entrar numa das propriedades particulares mais bem protegidas de Dedos.

⎯⎯  Por que você tá usando essas orelhas falsas de gato? ⎯⎯  Ela não está realmente interessada.

⎯⎯  É... ordens da chefe. ⎯⎯  Ele está realmente constrangido. ⎯⎯  Olha, se manda. Eles tão começando a olhar.

Ao redor de Cha, olhos curiosos começam a acender na escuridão.

⎯⎯  Fora que ⎯⎯  continua o porteiro. ⎯⎯  a chefa não tá em casa.

O estrondo repentino é mais próximo dessa vez. Bem mais perto. Cha olha para o topo da colina e algo dali começa a cair em alta velocidade na direção deles. A estátua acerta em cheio o automóvel estacionado ali ao lado.

⎯⎯  MEU CARRO! ⎯⎯  O porteiro começa a chorar até o monte de sucata restante, e Cha aproveita para passar na ponta dos pés para dentro.

Evitar os outros seguranças é fácil. Se fossem felinis, já teria sido pega, mas os felinos nunca foram muito de trabalhar, então quase todos os funcionários são humanos.

Quase todos.

⎯⎯  Não é possível isso. ⎯⎯  Somente a calda negra e os grandes sapatos marrons, é o que Cha consegue ver por debaixo do sofá onde se escondeu assim que ouviu passos. ⎯⎯  Achem ela, seus otários!

Novamente, um estrondo, agora repetitivo. Cha se esgueira por trás de uns arbustos até uma área aberta da mansão. O piso é uma plataforma suspensa sobre a beirada da colina, a mesma que a garota viu antes da estátua ser arremessada há alguns minutos atrás. Marcas violentas no solo rodeiam uma dupla de guerreiros: um robô de três metros de altura feito de sucata e uma felini de aspecto feroz, cujos pelos brancos de seu rabo de cavalo e de suas orelhas pontudas lembram leite líquido. Ela veste uma legging cinza e uma blusinha branca folgada, nenhuma armadura e tão pouco armas. Como ela pretende enfrentar a máquina, afinal?

O autômato começa a girar os braços em forma de macarrão, um ciclone de ferro, e avança. Cha dá um pulinho para ajudar, mas não é necessário. A gata desvia com facilidade até se entediar, então, num piscar de olhos, desaparece e reaparece atrás da cabeça do robô, com uma aura verde em volta de todo o corpo e desferindo um chute que arranca o cérebro eletrônico de uma só vez.

⎯⎯  Ah, qual foi! Já é o terceiro! ⎯⎯  Essa voz, sim, faz Cha se arrepiar. O homem se levanta da cadeira de praia e caminha até a gata do jeito provocante e fofo que só ele conseguia. Se vê numa bermuda de surf branca, jaqueta regata jeans e óculos escuros redondos, o que combina muito mais com seu físico escultural e pele bronzeada do que o tradicional macacão de oficina. Seus pelos cor de caramelo se veem penteados e lisinhos, exceto pelos da cabeça, os que envolvem as orelhas caídas, caracóis penteados para trás como ondas flamejantes.

Com um aperto no coração, Cha percebe que Roddrick está muito gostoso.

Com um aperto no coração, Cha percebe que Roddrick está muito gostoso

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Prévia do capítulo 0.6

Acontece que Cha só dava permissão a si mesma para chamá-lo de Rodd. Não consegue deixar barato e perde as estribeiras:

Ƭ𝚛𝚒𝚋𝚘 𝚍𝚘𝚜 𝙰𝚗𝚓𝚘𝚜 𝙲𝚊𝚒𝚍𝚘𝚜Where stories live. Discover now