6

159 21 13
                                    

Nessa coisa de dar espaço um para o outro, o espaço aumentou cada vez mais, tanto que um abismo do tamanho da saudade dos dois acabou surgindo.
Não trocaram uma palavra, uma mensagem, nunca mais Jussara teve que transportar uma carta. Nada.
É claro que sentiam falta um do outro, é claro que pensaram diversas vezes em ligar pra ouvir a voz do outro, contar uma novidade ou só dizer um "te amo".
Mas dois anos depois, nenhum teve coragem e por isso ficou.
Julinho começou a trabalhar e conciliar aquela rotina aos seus estudos.
Comprou uma moto e com muito esforço, conseguiu passar na faculdade federal e era oficialmente estudante de Educação Física.
- E aí, Julio, qual o resultado? - Jussara cutucou o garoto.
- Eu passei, mãe! - ele comemorou, abraçando e girando a mulher no ar.
A irmã, que já havia terminado a faculdade, se aproximou para abraçá-lo forte.
- Eu sabia, sabia que você ia conseguir!
- Sabia nada - Julinho deu um empurrãozinho nela com o ombro.
- Claro que eu sabia, por isso eu já até comprei seu presente
- Presente? Que presente?
- Como eu sei que vai ser a maior dificuldade pra você ficar indo e voltando pra faculdade...
- Eu tenho moto, garota - Julinho a interrompeu.
- Garoto, deixa eu falar - ela revirou os olhos e tirou uma chave do bolso - Essa é a chave do seu novo apartamento
- Porra, tu ta mentindo pra mim - ele franziu a testa, realmente desacreditando do que ela estava dizendo.
- Não é mentira, Julinho. Agora que eu e o Leo vamos nos casar, vamos morar juntos e como não quero me desfazer do meu cantinho, pensei na pessoa perfeita pra ocupar ele
Julio mal podia acreditar. O apartamento de Juliana não era muito grande, mas seria perfeito para ele.
Tocou no anel que ainda usava como pingente, desde aquela noite.
Queria tanto contar para Tulio. Esperava que o ruivinho estivesse tão feliz quanto ele naquele momento.
Muito longe dali, Tulinho se sentia incapaz ao ver o resultado dos aprovados do curso de direito. Seu nome não estava nem na lista de espera.
Por um lado, estava aliviado, não queria ser advogado. Só não tinha certeza ainda do que queria ser. Era jovem, acabara de completar 18 anos. Por que tinha que decidir imediatamente o que queria ser da vida?
- E aí, filho? - Renata entrou entusiasmada no quarto do garoto.
- Não passei
A mulher suspirou, deixando os ombros caídos e se aproximou do rapaz, acariciando seu ombro com delicadeza.
- Ô, meu bem, no próximo ano você consegue, ta? Você volta pro cursinho e se dedica mais, vai dar tudo certo, ta? - ela deixou um beijinho nos cabelos ruivos do filho.
- Ou eu posso tentar outro curso, né?
- Que outro curso, Tulinho? Você vai fazer direito, igual ao seu pai
- Mãe, mas eu não quero ser advogado
- Tulio, isso não está em discussão
- Pelo visto nada tá em discussão. Eu não posso fazer nada que eu quero, não posso ser amigo de quem eu quero, não posso me apaixonar por quem eu quero, não posso estudar o que eu quero...
- Você está sendo malcriado
- Eu to mesmo! Eu to e sabe por quê? Porque eu to cansado! Eu to exausto disso daqui
- Se você tá achando ruim ter tudo na palma da sua mão, garoto, vai lá e trabalha pra saber se é fácil assim. Arregaça você as suas mangas e faz, aí você vai ver o que é difícil
- O que é que você tá falando? Você nem trabalha! Só vive sua vidinha fútil de madame e péssima mãe, é isso que você é
- Se eu sou uma madame fútil, você é um merdinha fútil que pensa que a vida é um lindo morango e eu te digo, Tulio: NÃO É! Mas se tá ruim pra você aqui dentro da sua bolha de privilégios, se manda daqui!
- Tá me expulsando de casa?
- To, eu to! Vou te dar 15 minutos pra sumir da minha frente, tá ouvindo? Some daqui!
Tulinho não teve forças para se manter de pé, sequer conseguiu pensar direito.
Precisou se energizar com a raiva que borbulhava dentro do peito e pegou a maior mochila que encontrou, jogando lá algumas roupas, documentos e virou também sua caixa onde guardava as jóias mais caras que tinha.
Antes de sair do quarto, pegou em uma gaveta o desenho que ganhara de Julio quando fizera 11 anos, que guardava com muito carinho junto à foto que tiraram naquele dia.
Saiu de casa sem que a mãe visse e ligou imediatamente para Bruno, a única pessoa que morava mais perto dele.
- Oi, amigo! - Bruno falou saudoso.
- Boer, eu preciso de ajuda
Bruno se desesperou com o tom de voz choroso do amigo.
- O que aconteceu, meu Deus?
- Minha mãe me expulsou de casa, eu tô sem ter pra onde ir, posso ir pra sua casa?
- Amigo, eu nem to no Brasil, minha chave ta comigo - suspirou preocupado do outro lado da linha - Eu acho que eu sei uma pessoa que pode te ajudar, mas você precisa confiar em mim
- Ta, ta, eu confio. Eu só preciso sair daqui
- Fica aí no condomínio mesmo e não liga pra mais ninguém, espera meus comandos
Tulio assentiu, mesmo sabendo que Bruno não poderia ver.
Assim que desligou o telefonema, Bruno buscou na lista de contatos aquele número que nem sabia por que tinha, mas ainda bem que tinha.
Torceu para que atendessem enquanto a ligação só chamava e quase ficou de joelhos quando um "alô" confuso ressoou do outro lado.
- Ainda bem que ainda é esse número!
- Quem é?
- Oi, sou eu, o Boer. Lembra de mim? Isso não importa agora
- Eu lembro sim, como tem meu número?
- Não interessa, tem uma pessoa que tá precisando muito de ajuda e só você pode fazer isso agora
- Do que você tá falando?
Bruno não precisou falar muito. Menos de dois minutos depois, Julinho já estava o mais rápido possível em cima de sua moto, deixando para trás a comemoração da família por ter sido aprovado na faculdade.
Odiou muito morar tão longe daquele condomínio que havia frequentado por tantas vezes.
Tulinho recebeu retorno de Bruno por mensagem:
"A pessoa tá te esperando na frente do condomínio. Você vai saber quem é. Me manda notícias. Fica bem".
Caminhou quase correndo, com medo da mãe aparecer ali e o ver sentado no jardim da casa vizinha. Assim que atravessou a portaria, sentiu as pernas perderem a força.
Julinho estava bem ali na sua frente.
Teve receio de se aproximar e só deu um passo à frente após Julinho erguer os braços em sua direção.
Quando notou, estava correndo em direção ao rapaz, que estava escorado em uma moto.
Quase caíram com o impacto do abraço, mas Julinho estava mais forte do que já esteve antes e segurou seu amor como se ele fosse desaparecer a qualquer momento.
O abraço, o toque e até o cheiro de Julio foram mais do que suficientes para fazer Tulio esquecer que havia acabado de ser expulso de casa. Nada e ninguém mais importava.
- Eu senti... eu senti tanto a sua falta - Tulio falou em um fio de voz, não conseguindo parar de chorar.
- Eu também senti - Julio sussurrou para o menor.
- Eu tenho tanta coisa pra falar, Julio - se afastou para olhar melhor o amigo, percebendo uma barba rala e os cachos bem definidos em um corte estiloso.
Julio segurou o rosto de Tulio entre as mãos.
- Eu não quero que tu fale nada
Olhos nos olhos, ambos prenderam a respiração. Sabiam o que queriam fazer e fariam.
Sem muita cerimônia, as bocas tocaram com urgência em um beijo apressado, como se a humanidade precisasse daquilo. A humanidade não precisava, mas os corações calejados, esses sim precisavam daquele beijo para bater mais forte.
Parecia que os dois haviam acabado de nascer, sentiam-se assim, vivos, completos.
A boca de Julio acariciava a boca de Tulio, as línguas deslizando, as mãos segurando o outro com força, o medo de ser tudo um sonho no meio de um grande pesadelo.
- É real - Tulio sussurrou para si mesmo após o fim do beijo e Julio franziu o cenho, estranhando o comentário - Isso aqui é real, você tá mesmo aqui
Julio sorriu.
- Quer que eu te beije outra vez pra acreditar que é real?
Tulio deixou um selinho nos lábios do mais alto.
Um carro se aproximou e o ruivo ficou tenso nos braços de Julio, se virando para olhar e respirando aliviado ao ver que não era o carro de sua mãe.
- O que foi? Tu ta assustado...
- O Bruno não te contou?
- Eu nem deixei ele terminar, só precisei ouvir que tu tava precisando de mim
- Ainda bem que você veio - encostou a testa no peito de Julio.
- O que aconteceu?
- Eu fui expulso de casa, não tenho pra onde ir, não tenho nada
Julio acariciou a nuca de Tulio, o fazendo-o olhar para cima.
- Tu ainda me tem, playboyzinho
- Achei que você me odiasse
O mais alto tirou o cordão de dentro da roupa, mostrando o anel preso ali.
- Eu não deixei de pensar em ti um dia sequer
Tulinho teve vontade de chorar mais ainda, se ainda tivesse lágrimas no seu corpo para isso.
- Eu amo você, Julio. Desde sempre, sabia?
- Eu que te amo, seu boboca - deixou um beijinho na ponta do nariz vermelho de Tulio - Vamos?
- Pra onde?
- Pra qualquer lugar além do final da rua

ALGO PARECIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora