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Antes de mais devo dizer que odeio o circo.

O circo que paira no imaginário das crianças com os seus palhaços, cães, leões,  tigres, elefantes e cavalos, trapezistas e equilibristas, que encanta grandes e pequenos , sim, esse é o circo que odeio.

Costumo dizer que nasci em cima de um trapézio, já que meus pais eram trapezistas renomados, hoje retirados por conta da sua idade.

O trapézio não me atraiu então como não tinha opção fui trabalhar com os cavalos.

Tornei-me uma das atrações desta casa.

Tenho como lema da minha vida o seguinte:

" se te propões a fazer, deves fazer bem feito"

E eu fazia.  Comandava 6 cavalos com muita mestria.

A minha vida sempre girou dentro do circo.  De terra em terra, não havia tempo para fazer amigos, para ir à escola. 
Tinha uma professora particular e a manhã era dedicada ao estudo.
Na parte da tarde tinha balé, ginástica e a noite era de apresentações.

O que sobrava de tempo para uma jovem de 18 anos acabados de fazer?
Nada. Nem namorar, porque para mim todos os jovens do circo eram como se fossem meus irmãos.

Hoje o circo apresentava-se na cidade de Lisboa.   Habitualmente tínhamos mais espectáculos a Norte de Portugal, mas desta vez descemos à capital.
Era Dezembro, mês de muito trabalho.  Era o mês das festas de Natal da autarquia e de muitas empresas. 

Hoje o espectáculo era para uma empresa de combustíveis e ia decorrer no Coliseu dos recreios.

O meu número era um dos primeiros,  logo a seguir aos palhaços.

Logo que soube dos espectáculos em Lisboa comecei a bolar um plano.  Se der certo eu largo esta vida itinerante e presa.

Terminei o meu número, verifiquei o estado dos cavalos nas boxes e fui tomar um banho.
O espectáculo ainda demorava cerca de mais uma hora e eu estava à vontade  pois todos estavam atentos.

Peguei numa pequena mala já preparada anteriormente, nos meus documentos, deixei uma carta para a família circense e tomei um táxi em direcção ao aeroporto.

- Menina, não há voos a esta hora.

- Eu sei.  Fico lá esperando pela manhã.   Eu preciso sair de Portugal hoje.

O taxista olhou para mim com um olhar suspeito.

- Não.  Não fiz nada de errado, senhor.  Eu trabalho no circo, mas estou cansada.  A fuga é a única solução,  pois de outro modo não me deixam sair.

- E vai para onde?

- Para o Brasil.  Vou ver se consigo voo amanhã.

- Assim de um momento para o outro acho difícil, mas se posso dar um conselho caso não consiga, vá para Espanha e de lá para outro destino que quiser.  Tem passaporte?

- Tenho, mas nunca usei.

- Para Espanha não precisa.  Espanha ou outro País da comunidade europeia.

- No Brasil, tem família ou amigos?

- Não tenho ninguém.  Vou à aventura.

- Isso é perigoso.  Não tem medo?

- Para me livrar do circo eu perco o medo.

- Vou dar-lhe o contacto do meu irmão em S. Paulo, caso precise.  Peça-lhe ajuda.  Eu vou enviar-lhe uma mensagem a dar conta da sua ida.  Escreva aí o seu nome.

- Obrigada.

- Chegámos.  Tome o meu cartão e se não der certo e precisar de mim, ligue-me.

- Muito agradecida.  De verdade, você é muito bom.

Atravessei o Atlântico Where stories live. Discover now