Inevitável. 🔞

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—Você nem me contou como foi sua aula hoje? Teve a conversa do bullying com os pirralhos?

Berenice é uma dançarina desempregada, vive fazendo freelance aqui e ali, também é babá quando precisam, faz maquiagem, unha... Ela se vira. Ainda assim, sua maior fonte de entretenimento é a vida das crianças que Kelvin leciona. Talvez porque conhecia a mãe de uma ou duas, ou porque não tenha nada melhor que fofoca infantil... Ou porque os olhos de Kelvin brilham quando ele fala do trabalho.

—Tive sim amiga, queria que a sociedade fosse compreensível igual as crianças...

(...)

Tudo tinha começado no dia anterior, quando Kelvin teve o suficiente de um assunto que estava há muito entalado com aqueles anjinhos....

—E porquê tá chorando, Marisol? Fala pro tio Kel— Depois de tentar acalmar a pequena por longos minutos, Kelvin finalmente havia conseguido conter as lágrimas de sua aluna, que mesmo sendo tão pequena e fofa parecia também ser uma das crianças mais sensíveis que ele já havia visto. E além de sensível, Marisol era como seu nome dizia, sol. —¿Por qué llorabas, mi amor?

Marisol é filha de paraguaios, em sua casa só se fala espanhol, como uma maneira de manter viva a cultura e suas raízes, algo que Kelvin admirava e respeitava profundamente. A mãe de Marisol, Graciara, ficou muito resistente a idéia de colocá-la no jardim, afinal imaginava que haveria uma enorme barreira linguística entre a filha e os outros alunos e profissionais... Foi um dos motivos que fez Kelvin ser contratado como professor efetivo naquele ano, afinal falava três línguas e tinha cursos em educação especial.

No quieren jogar conmigo porque no entienden lo que digo— A menina fungou, seus grandes olhos verdes cheios de lágeimas  —Yo estou aprendendo como se habla, Tío Kel.

A atividade do dia era que cada um desenhasse um animal e o amiguinho tentaria adivinhar qual era... Talvez ele devesse saber melhor que isso não daria tão certo.

—Está sim, amorcito. Y siempre estaré aquí para ayudarte cuando no sepas qué palabra decir. Por eso conmigo siempre podrás hablar en el idioma que quieras. Em português, spañol, english... Qualquer um, sim?—  Kelvin não gostava de pensar que crianças tão pequenas podem ser capazes de excluir uns aos outros.

E sempre estarei aqui para te ajudar quando não souber que palavra dizer. Por isso comigo pode falar no idioma que quiser.

Disso, o surgiu uma idéia. Uma coisa que gostaria de ter vivido quando criança.

—Todo mundo aqui, olhando pra mim... Vamos lá, olhinhos no tio Kel...— Buscou a atenção de seus alunos com a voz mais alta e estralou os dedos chamando a atenção. —Vamos ter uma conversinha? Um papo bem especial?

—Siiim!–Como o esperado, as crianças gritaram e se animaram, Kelvin não pôde conter um sorriso ao ouví-las.

E foi lindo. Dois minutos apenas e Marisol já estava rindo enquanto fazia seu desenho com Carol, que mesmo com dificuldade fazia o possível pra entender a menina. Era perfeito. Crianças são realmente o exemplo que deveríamos seguir, não o contrário.

—O Chris é albino, a Marisol é paraguaia, o João tem cabelo cheio de cachinho e a Carol tem os olhos bem puxadinhos... Viu só como a gente é todo mundo diferente? E todo mundo é lindo, é inteligente e....?

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