Agora Te Vejo Claramente

1K 112 182
                                    

Kelvin sentiu a água quente do chuveiro relaxando seu corpo, o vapor subindo, ajudando sua respiração voltar ao normal, o cheiro de seu corpo antes era o mesmo de Ramiro, e agora ele o tinha somente na memória, enfim, mais um dia.

Lavando todas as marcas que o amor havia deixado pra trás, marcas de dentes que se afundaram em seus quadris não que estavam mais ali, chupões em suas coxas, sumiram, mas ainda sentia os beijos em seu peito, seu abdomen, seu pescoço.

A água escorria por seu rosto e se misturavam as lágrimas que ele já nem pensava ser capaz de derramar, nem mesmo seus banhos eram a mesma coisa sem o preto junto a ele, mas ele se orgulha, chora todos os dias um pouco menos.

Faziam dois meses que ele havia voltado pra casa de Berê, e a realidade é que entre altos e baixos, aquela semana tinha sido a que se saiu melhor, afinal agora Kelvin havia voltado a trabalhar, e poder ficar toda sua energia em seus pequenos era um sopro de vida, sem dúvidas, as horas na escola eram as que passavam mais de pressa, enquanto o resto do dia para ele ainda eram como pequenas sessões de tortura.

Que diferença faria, afinal? Se Ramiro não tava mais lá pra cheirar sua pele, pra o agarrar e o chamar pra dançar no meio da sala, ou pra lhe levar uma tigela de frutas porque queria que ele comesse. Pra dizer que estava orgulhoso dele por persistir, que achava lindo seu dom com as crianças. Qual é o ponto?

É que naquele dia em específico, Kelvin acordou tão esquisito, nem sabia que horas eram, mas o sol começava a despontar no horizonte, e depois de finalmente conseguir dormir a noite toda, ele acordou e queria comer macarrão, afinal era domingo.

Não qualquer macarrão, não um que se pede por delivery ou que se come num restaurante, ele quer comer o macarrão que Ramiro faz.

E queria beber do café dele, não do de Berenice, que é horrível.

E ele vinha querendo muitas coisas, últimamente.

Vem querendo sair pra correr, coisa que nunca fez. Correr e correr e acabar onde bem queria.

Kelvin queria tanto.

Correr até Ramiro.

E depois deitar no peito dele, e sentir suas mãos em seu corpo e seu nariz roçando em sua pele, e queria passar a noite vendo filmes com seu amor, e depois queria dormir nos braços dele sem temer acordar sozinho.

O ama tanto, deus. Tanto. E sabe que Ramiro também o ama, ver o tanto de sentimento escondido naqueles olhos escuros era o que fazia Kelvin cada vez mais desequilibrado nessa situação toda.

Parecia tão… errado.

Deitar naquela cama, olhar para o teto, sentir aquele cheiro antigo dele.

Ele se lembra de quando decidiu pintar as paredes daquele quarto de lilás, estava morando sozinho e foi a coisa mais assustadora que fez naquela época, morar sozinho.

Então ele pintou os cômodos com cores que sempre o lembrariam de coisas brilhantes e cheias de vida, a sala de estar azul, a cozinha laranja, o banheiro verde menta, um dos quartos era lilás e o de Berenice cor de rosa, a amiga fez questão de pintar quando se mudou.

Agora o lilás de suas paredes podia ser facilmente confundido com cinza, sem vida, sem graça, perdendo cor a cada minuto que passava, então Kelvin evitava ficar lá. Dormia no quarto de Berê, suas roupas estavam ali e até mesmo o shampoo da amiga ele usava, tudo que fizesse ele esquecer de quem era, quem foi.

Logo sua vida inteira seria um filme antigo em preto e branco.

Com partes cortadas no meio, áudio ruim, embaçado, granulado.

FATEOnde histórias criam vida. Descubra agora