Uma Vida é Pouco

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Kelvin estava vivendo tudo de novo.

De novo.

De novo.

Ele não aguentava mais ficar encurralado, sentindo-se caçado como uma presa, ou pior, como um bandido.

Como se não fosse confiável, como se não pudesse ser honesto. E aquela vez foi a pior de todas, porque Kelvin nunca se sentiu duvidado, verdadeiramente duvidado por Ramiro como naquela vez.

Ele o estava seguindo.

Provavelmente estava fazendo isso há semanas.

Talvez estivesse fazendo isso antes de se separarem.

Ramiro estava atrás dele no domingo à tarde, sabia que ele estava na escola, sabia que aquele era seu domingo de trabalho. De alguma forma, sabia que ele estava lá até aquela hora, que ainda não tinha saído para almoçar.

Isso não é coincidência, Kelvin não acredita mais nisso. Toda a sua fé nas chances do universo para que isso acontecesse havia morrido quando Heitor as esgotou.

Ele não acreditava mais nisso, ele se recusava.

Não importava se Ramiro dissesse que estava passando por ali, ele não sabia, não fazia ideia.

Mentira. Mentira. Mentira.

E ele acreditava que Ramiro não era assim. Ramiro não era Heitor. Ele não poderia ser. Ele deveria ser doce, ele era. Era.

Ramiro nunca mostrou isso, esse lado dele, que é... Obcecado? Controlador? Louco até.

E Kelvin ainda se agarrava ao outro lado. Assim como fez com Heitor, um idiota nunca aprende a lição, não é mesmo?

Você tem que se concentrar nos bons momentos. Esconder as bandeiras vermelhas. Tapar os ouvidos para as sirenes, ouvindo apenas a serenata.

A parte que gritava dentro dele, contorcendo-se, tentando escapar, tentando vencer e domar seu corpo e sua alma, essa era a que mais doía, de alguma forma. Essa parte diz para pular mais uma vez, tentar mais, tentar dessa vez.

Ele o ama, não pode negar.

Ele está com medo, não pode esconder isso.

Quando nossos gatilhos são acionados, as balas são nossos medos que vão se tornando realidade, e a mira está sempre em nossos corações.

Acabamos sempre sendo os primeiros a cair.

E tão intenso, profundo e forte quanto o medo, é o amor, embora ambos nunca possam coexistir.

Kelvin sentiu medo. Ele está apaixonado.

Um é um sentimento, o outro é um estado de ser.

O amor é poético por sua complexa simplicidade.

Mas a raiva, oh. A raiva e o amor andam de mãos dadas.

Porque ambos queimam em nossas veias e fazem nosso sangue correr, ambos aceleram nossos corações, nos fazem gritar, nos fazem chorar, nos fazem agir por impulso.

Qual deles faria Kelvin pular dentro do carro da pessoa a quem ele vem evitando até pensar nesses últimos tempos?

Quais eram suas razões pra perder totalmente os sentidos de sua realidade no momento em que seus olhos cruzaram os de Ramiro novamente?

O corpo se movia antes dele, estava racional mas oh tão emocional.

Tudo misturando, tudo uma coisa só, tudo um.

Assim como ele e Ramiro um dia foram, um só.

Sentia raiva, sentia decepção, sentia saudades, sentia amor da forma mais pura e avassaladora, intensa e profunda.

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