1: Um Novo Amanhecer

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Acordei com uma voz rouca e potente que sempre despertava em mim um sentimento de raiva.

― Acorda! ― Cida me gritou bruscamente, puxando a coberta que me aquecia naquela cama velha e desconfortável. Resmunguei e me encolhi, odiando cada segundo daquela situação.

― Levanta, menina! Eu não tenho todo o tempo do mundo, tá achando que está num spar? ― Seus gritos me fizeram espreguiçar, ainda sonolenta.

Com raiva, me esforcei para me sentar na cama.

― O que foi? Eu já lavei a louça ― bocejei, esfregando os olhos.

― Não é nada disso. Anda, levanta daí. ― Cida me empurrou do colchão. ― Tem umas pessoas que querem ver você.

Ninguém nunca vinha me ver ali naquele lixão. Levantei, sentindo o chão gelado sob meus pés.

― Quem quer me ver? ― perguntei, surpresa.

― Não pergunta, menina. Só anda. ― Cida me empurrou, fazendo com que eu me levantasse. ― E tira esse casaco.

― Mas tá frio ― protestei, tirando o casaco, quando ela me lançou um olhar mortal.

Cida me empurrou em direção ao pequeno corredor que levava à sala.

Ao entrar na sala da pequena casa que chamava de lar, senti o cheiro característico do lixo misturado com a poeira que se acumulava no chão de areia e cimento queimado.

Não é tão ruim depois que você se acostuma com isso.

A cortina feita de lacres de latinhas e tampas de refrigerante balançava ao vento, separando a sala do restante da casa. Percebi que ainda estava escuro e não devia passar das duas horas da madrugada.

A fraca luz da lua que entrava pela janela revelava os móveis improvisados feitos de restos de madeira e metal. As paredes estavam cobertas de cartazes rasgados e fotos antigas, lembranças de um passado que eu mal conseguia recordar.

É pequeno, mas é o nosso lar.

Do outro lado, vi Maria e Olivia que estavam  vindo de onde dormiam, eram duas das meninas que cresceram comigo no lixão.

― O que tá acontecendo? ― perguntei a Maria.

― Acho que querem adotar uma de nós ― respondeu ela, ajeitando o cabelo.

― Adotar? ― indaguei, surpresa.

― São gente rica. ― disse Olivia bocejando. ― Vi o carro pela janela. Uma mulher e um homem. Tem até um segurança junto.

― E vocês acham que eles querem adotar uma de nós? Será?

― Calem a boca! ― disse Cida. ― E continuem assim quando vierem falar com vocês.  Sem perguntas. Quero me livrar de vocês hoje.

Desde que me lembro, vivo neste lixão. Não sei como vim parar aqui, só me recordo de acordar na cabana de Cida aos cinco anos de idade. Ela me disse que fui deixada ali por um carro que passou numa tarde ensolarada. Lembro vagamente de correr atrás dele, implorando para não me deixarem ali, e de ter batido a cabeça ao cair em seguida. Desde então, Cida e as crianças daqui têm sido a única família que conheço.

Quando os avistamos, percebemos que eram pessoas de muito dinheiro. O carro em que chegaram era luxuoso, reluzente, muito diferente dos carros velhos e empoeirados que vemos por aqui. A mulher, loira e elegante, usava um vestido preto que parecia ter saído de uma loja de luxo. O homem, alto e imponente, vestia um terno caro que realçava sua postura confiante.

Na noite escura, pude sentir a brisa gelada da madrugada arrepiar meu braço. Me dei conta de como estava mal vestida, e me perguntei se fossem adotar uma de nós, se seria eu a escolhida. Sonhava em ter uma família, uma casa, um lar. Não tinha muitas chances de ser escolhida. Talvez Olivia sim, ela era menor e as roupas cabiam com mais facilidade. Já eu, parecia usar roupas pequenas demais para a minha idade.

Cinzas Do PassadoTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon