10h do dia 23 de fevereiro
— Mãe, eu já te pedi desculpas. Faz horas que estamos nessa discussão. O que mais você quer? — não aguento mais, eu não aguento mais as mesmas brigas desde que ele se foi.
— Iara, minha querida, você está vivendo desordenadamente. Está desonrando a memória do seu pai. Não foi essa filha que ele criou.
— Mas foi essa que ele deixou, Clarice. — olhos marejados, eu precisava fugir dela.
— Seu pai não te deixou. Ele morreu, Iara. — senti suas mãos em meus ombros — Você precisa seguir. Não pode deixar morrer o que ele tanto lutou para ter, o sonho dele.
— Você bem disse: o sonho dele. Não o meu, mãe. — lágrimas escorreram incessantes pelo meu rosto — Como é injusto, não é mesmo? Como ele pode fazer isso com sua única filha? Como ele pode me deixar com uma bomba dessas no colo? Eu sou uma garota, mãe. Não sou Beto Bianco.
— Mas ele confia em você, Iara. — ela me abraçou — Ele nunca teria deixado para você seu maior bem se não confiasse. A empresa precisa de você. Fazem três semanas que você não vai trabalhar. Você só bebe e dorme fora de casa.
— Eu sou adulta, não sou, Clarice? — limpei as lágrimas antes de cruzar os braços, era injusto comigo que ela interferisse em como vivo nos últimos dias.
— Por esse motivo devia agir como uma. — escutei seu respirar, soava mais como uma bufada.
— Bom dia, Clarice! Eu tenho mais o que fazer. Só vim pedir desculpas pelo que eu disse ontem.
Enxerida. É isso que a Clarisse era. Mães eram sempre enxeridas, não é mesmo? Vinte e cinco anos e uma senhora de cinquenta querendo ditar como eu vivo a vida. Não aguentaria isso. Não era para mim. Preferia ir para minha casa e dormir tudo que o corpo do Richard não me permitiu essa noite.
15h do dia 23 de fevereiro
Calafrio. Quarto esquisito. Corpo suando frio. Lembranças do sexo da noite passada. Lembranças do abraço apertado no carro. Respira, Iara. É tudo um sonho. Acorda, Iara.
— Richard. — levantei no susto chamando pelo seu nome.
Ele não estava aqui, eu não estava com ele. Eu realmente estava sonhando. Contando. 1, 2, 3, 4, 5,6... Em qual número eu estava mesmo? Ensurdecedor o barulho vindo do lado de fora da casa. Caminho até a janela para verificar. Era o jardineiro. Eu tinha contratado um jardineiro? Quando foi isso? Enxuguei o suor da testa. Precisava me recuperar. Hoje a noite eu sairia novamente. Um corpo a mais. No final da noite eu nem me lembraria que o da anterior existiu.
17h do dia 23 de fevereiro
Um novo seguidor no Instagram. Um novo seguidor verificado, por isso chamou minha atenção. Richard Ríos, o colombiano. Essa informação é nova para mim. Eu não tinha me dado o trabalho de pesquisar sobre ele. Era o costume. Precisava ser sem apego. Se não de nada adiantava. Acabaria tendo sentimento. Eu não queria ser sentimental. Eu queria ser uma puta. Era minha atual fantasia. A riquinha mimada e sem sentimentos.
Quem eu seria hoje? E se eu me transformasse em uma Mariana? Meiga, pacata e diferente na cama. Na cama eu podia ser a Iara. Um comentário no meu stories: difícil esquecer o quão linda você é. É melhor eu ser a Iara a noite toda, como eu tinha sido na ultima noite. Com um pouco menos de pudor, mas era eu. Para que ele estava comentando minhas coisas? Eu não tinha passado o meu número para não termos mais contato. Mas ele sabia meu nome. Vacilei nisso. Fui muito juvenil. O prazer me ludibriou.
Uma olhadinha no perfil não me faria mal, não é mesmo? Richard Ríos, 24 anos, jogador do palmeiras, colombiano, milhões de seguidores, muitas mulheres e o resto que eu já sabia: ele agia perfeitamente como um gostoso. O gostoso que eu tinha certeza que ele era. Mas eu não responderia. Me nego esse direito. Nego o direito de me envolver mais de uma noite com alguém. Principalmente ele. Ele tinha me desarmado em um abraço, o que mais de um dia em sua cama não faria? Era melhor fugir.
21h30 do dia 23 de fevereiro
— Laurie, estou dirigindo. Eu chego em no máximo — dei uma pausa para olhar o GPS — quinze minutos. Eu chego em quinze minutos.
Celular desligado, olhos no trânsito e uma luz forte. Pai, pai, pai... As cenas do acidente vieram como cachoeira. Eu gritava por ele, implorava pela sua vida. De pijamas e descalça, no meio de uma BR. Implorando para que não o tirassem de mim. Eu não conseguiria dirigir. Limpei as mãos em meu vestido preto da Coperni. Estava suando. Arruma as alças. Eu precisava estacionar. Na primeira vaga parei o carro. Desci me apoiando nos joelhos para tentar respirar. Estava sem ar. Peito apertado. Eu queria fugir.
— Iara? — eu escutava, mas não conseguia enxergar de onde vinha — Iara, está tudo bem? — agora eu já reconhecia a voz e ele segurava meu corpo para que eu não caísse.
O abracei. Estava o abraçando. Eu fiz mesmo isso. Me encolhi ao sentir que ele me abraçava de volta. Destino. O destino tinha colocado Rios mais uma vez no meu caminho. Me vendo ter uma crise de ansiedade. Vivendo minha perda do meu jeito. Eu não aceito. Eu não aceitava. Estava escondida em seu abraço, mas achava impossível. Era brincadeira demais comigo. Eu me nego a esse futuro. Eu nego mais do que essas interações. Negação: o que se nega, o que não se admite como verdade mesmo que seja uma.
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𝚝𝚑𝚎 𝚝𝚛𝚞𝚝𝚑 𝚘𝚏 𝚊𝚗 𝚘𝚋𝚜𝚎𝚜𝚜𝚎𝚍- 𝚁𝚒𝚌𝚑𝚊𝚛𝚍 𝚁𝚒𝚘𝚜
Fanfiction𝑂 𝑞𝑢𝑒 𝑎𝑐𝑜𝑛𝑡𝑒𝑐𝑒 𝑞𝑢𝑎𝑛𝑑𝑜 𝑢𝑚 𝑠𝑖𝑚𝑝𝑙𝑒𝑠 𝑒𝑛𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑜 𝑠𝑒 𝑡𝑟𝑎𝑛𝑠𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎 𝑒𝑚 𝑢𝑚𝑎 𝑜𝑏𝑠𝑒𝑠𝑠𝑎̃𝑜 𝑎𝑟𝑟𝑒𝑏𝑎𝑡𝑎𝑑𝑜𝑟𝑎? 𝐶𝑎𝑑𝑎 𝑝𝑎𝑠𝑠𝑜 𝑠𝑒𝑢, 𝑐𝑎𝑑𝑎 𝑑𝑒𝑐𝑖𝑠𝑎̃𝑜, 𝑝𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑎 𝑠𝑒𝑟 𝑚𝑜𝑙𝑑𝑎𝑑𝑎...
