Cadeia

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FABIANO tinha ido à feira da cidade comprar mantimentos. Precisava sal,

farinha, feijão e rapaduras. Sinha Vitória pedira além disso uma garrafa de querosene e um

corte de chita vermelha. Mas o querosene de seu Inácio estava misturado com água, e a

chita da amostra era cara demais.

Fabiano percorreu as lojas, escolhendo o pano regateando um tostão em

côvado, receoso de ser enganado. Andava irresoluto, uma longa desconfiança dava-lhe

gestos oblíquos. A tarde puxou o dinheiro, meio tentado, e logo se arrependeu, certo de que

todos os caixeiros furtavam no preço e na medida: amarrou as notas na ponta do lenço,

meteu-as na algibeira, dirigiu-se à bodega de seu Inácio, onde guardara os picuás.

Aí certificou-se novamente de que o querosene estava batizado e decidiu

beber uma pinga, pois sentia calor. Seu Inácio trouxe a garrafa de aguardente. Fabiano

virou o copo de um trago, cuspiu, limpou os beiços à manga, contraiu o rosto. Ia jurar que

a cachaça tinha água. Por que seria que seu Inácio botava água em tudo? perguntou

mentalmente. Animou-se e interrogou o bodegueiro: - Por que é que vossemecê bota água

em tudo?

Seu Inácio fingiu não ouvir. E Fabiano foi sentar-se na calçada, resolvido a

conversar. O vocabulário dele era pequeno, mas em horas de comunicabilidade enriqueciase

com algumas expressões de seu Tomás da bolandeira. Pobre de seu Tomás. Um

homem tão direito sumir-se como cambembe, andar por este mundo de trouxa nas costas.

Seu Tomás era pessoa de consideração e votava. Quem diria?

Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no

ombro de Fabiano: - Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro?

Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de

seu Tomás da bolandeira: - Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer Enfim, contanto, etc. É

conforme.

Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava.

Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava

pouco e obedecia.

Atravessaram a bodega, a corredor, desembocaram numa sala onde vários

tipos jogavam cartas em cima de uma esteira.

- Desafasta, ordenou o polícia. Aqui tem gente.

Os jogadores apertaram-se, os dois homens sentaram-se, o soldado amarelo

pegou o baralho. Mas com tanta infelicidade que em pouco tempo se enrascou. Fabiano

encalacrou-se também. Sinha Vitória ia danar-se, e com razão.

- Bem feito.

Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo. - Espera aí, paisano, gritou o

amarelo.

Fabiano, as orelhas ardendo, não se virou. Foi pedir a seu Inácio os troços

que ele havia guardado, vestiu o gibão, passou as correias dos alforjes no ombro, ganhou a

Vidas Secas - Graciliano RamosWhere stories live. Discover now