19 - A Grande Bicha

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Sensei já estava bem longe quando a luta entre Darukane e Hermaphrodite acabou. Mas não tão longe quanto queria ou podia. Estava cansado, com fome, com o braço voltando a doer e tão perdido quanto seu olhar de doido que aparecia de vez em quando, nas instantes em que se lembrava de tudo que tinha passado no outro mundo (tinha passado realmente ou era passado fictício?). Mesmo se arrastando, se encostando pelas paredes, ainda virou mais uma (ou cinco) esquinas e finalmente deu de cara com o caminho certo: viu uma fileira de couves-flores roxas tomando conta de uma rua inteira em frente a um prédio imponente que Sensei não conseguia ler, porque as luzes do letreiro eram fortes demais e suas lentes não eram antirreflexo (salário de professor, promoção da ótica... Já viu, né?).

Sentiu vontade de correr até o lugar. O corpo não obedeceu. Sorte dele, porque a mente funcionou (com o atraso da exaustão) e lembrou que as hortaliças explodiam ao toque. Foi andando até a entrada da rua. Encostou de leve em uma couve-flor. Nada aconteceu. Sorriu (ou quase isso). Começou a andar com o máximo de cautela possível. Pelo que entendeu, as couves só explodiam com impactos mais fortes. Ou seja, em teoria, seria muito fácil passar por ali.

Em teoria.

As couves eram, na verdade, couves não-tão-perfeitas que as bichas da casa das peixiguetes descartavam de suas dietas da chou-fleur. Ou seja: estavam estragadas. Pareciam bonitas à primeira vista, mas quando Sensei começou a remexê-las com os pés, começaram a exalar um cheiro forte de podre. Um cheiro MUITO forte. E como o nariz de Sensei era uma das poucas partes que estavam funcionando perfeitamente, se sentiu tonto, enjoado, e acabou tropeçando. Não tinha nada a fazer além morrer na praia (pior: no mar de couves podres explosivas). Sorte dele que ainda havia alguém que poderia fazer algo, mesmo que a total contragosto.

Antes de cair, Sensei sentiu-se puxado (leia-se arrastado) pelo meio das hortaliças podres. E se não morreu dos barulhos das explosões e de tiros que ouviu, quase não resistiu a ter várias couves no estado mais nojento possível passando na sua cara. Depois de alguns instantes (extremamente malcheirosos, diga-se de passagem), se viu parado em uma escadaria. Verificou o corpo. Os pés mexiam, os músculos das pernas e dos braços também. Ao lado dele, arfando (ou seja, também se mexendo, o que era bom), estava um Kruba.

- Até que você não é um tão ruim assim... Pra um cão de guarda. Agradeço pela ajuda ocasional.

- De nada. Bem, até que você não é tão ruim pra um professor maluco metido a herói. Você conseguiu atravessar as doze casas noturnas, e fez isso praticamente sozinho. Da última vez vieram uns cinco ou seis, e todos morreram no meio do caminho.

- Depois de conseguir fazer os alunos aprender nas condições que trabalho, no estado mental que tenho, ganhando o que ganho... Doze casas noturnas é fichinha.

Já "recuperado" do susto, Sensei se levantou devagar e se esticou como podia, virando pra Kruba e dizendo: – E aí, você vai finalmente lutar de verdade ou amarelar de novo?

- Eu sou preto, cara. Essa parada de amarelar né comigo não! Tá me estranhando? Só que as minhas meninas são gulosas, um inimigo só é pouco. E pelo visto, elas já arrumaram acompanhantes pra hoje – respondeu Kruba, acenando para frente com a cabeça.

- Ouviram? Ele chamou a gente de acompanhantes, hein... É hoje! – disse uma bicha, do outro lado do mar de repolhos. As outras (muitas, umas 30) que estavam ao lado dela riram. Pela beleza de rosto e magreza de corpo excessivas, provavelmente eram discípulas da casa das peixiguetes e adeptas da dieta estranha. Kruba havia trazido com ele o cardume inteiro.

- Como eu disse, vocês serão as acompanhantes das minhas meninas – respondeu o atirador, puxando as pistolas. – A Milena – balançou a direita – e a Jackie – balançou a esquerda.

As Divassas do ZodíacoOnde histórias criam vida. Descubra agora