13.1 | ou ❝cala a boca e me escuta!❞

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O problema de nerds como Zaca, é que nerds como Zaca costumam achar que pessoas não-nerds, como eu, são completamente idiotas.

Achando que me engana, ele me respondeu da seguinte maneira:

— Não é nada. Para de me encher o saco, Valéria. — ele não olhou nos meus olhos — Tive um dia horrível.

Eu podia não ser brilhante como ele, mas de mentiras eu entendia.

Muito bem, por sinal.

— Que vai ficar muito pior se você não me contar a verdade. — ergui as sobrancelhas, usando meu melhor olhar ameaçador enquanto encarava o reflexo de Zaca no espelho.

Que o dia dele tinha sido horrível, eu podia deduzir sozinha.

O que eu queria saber era por que motivo ele estava dando aquele banho de hemoglobina no banheiro e chorando como eu quando assisto a filmes da Disney.

— Sai do meu quarto.

— Esse não é o seu quarto, idiota. — eu contrariei, querendo dar um tapa na cabeça dele, mas me segurando diante de seu estado frágil — É um banheiro, e é de uso comum.

— Então pode me dar licença, por favor? Estou usando o banheiro.

Aquela discussão não me levaria a lugar nenhum. Com Zaca, as coisas funcionavam na base da pressão.

— Marcos! — chamei meu padrasto em voz alta, sem tirar os olhos de Zaca.

A cor fugiu do rosto dele instantaneamente, mesmo que Marcos não tivesse respondido.

— Não, sua idiota! — Zaca arregalou os olhos, desesperado, e começou a tentar me segurar para que eu não fosse buscar o meu padrasto, levando um dedo aos lábios e pedindo silêncio — Não faz isso!

— Marcos! — gritei um pouco mais alto, e voltei a me dirigir a Zaca, em voz baixa: — Vai me contar o que está acontecendo?

— Não houve nada...

Marcos! — gritei, dessa vez a plenos pulmões.

— Já vou! — respondeu meu padrasto com a voz distante.

Zaca finalmente cedeu.

— Cala a boca e escuta. — falou ele.

— Tudo bem Marcos, já resolvi! — gritei de volta para o meu padrasto.

— Ok! — respondeu ele.

Pelo menos para alguma coisa a lerdeza do Marcos serviu.

Zaca fechou a porta do banheiro e caminhou até a privada, sentando-se sobre o tampo fechado. Banheiros não eram meu lugar preferido para ter um diálogo, mas eu não estava em posição de negociar depois de encurralar o garoto.

— Eu acordei com febre essa manhã. Minha garganta dói, e a enfermeira da escola disse que eu estou com várias infecções, e eu nem sei como isso foi acontecer. — disparou ele. A impressão que eu tinha é que ele queria conversar sobre aquilo há dias, mas ninguém tinha se preocupado em perguntar. — Faz uns três dias que eu vomito sangue, todos os dias, pela manhã. A enfermeira da escola diz que pode ser anemia, mas que nunca viu nenhum anêmico assim. É isso.

Eu sempre soube. Desde quando ele foi para o hospital sem aparente razão.

Me demorei na palidez de seu rosto, nos olhos fundos e aspecto cansado.

— Então, quando vamos ao médico? — era mais uma decisão do que uma pergunta.

— Não vamos.

— Agora, além de todos os outros sintomas, você perdeu a lucidez. — contrapus, caminhando e me ajoelhando diante dele.

— Eu não posso adoecer nas próximas semanas. — justificou ele, assumindo aquele olhar doentio que sempre assume quando começa a falar da escola — Tenho todas as minhas entrevistas de bolsa para faculdade, provas de vestibular, os ensaios para a peça da escola... tenho compromissos que não posso deixar de lado só por causa de um pouco de sangue onde não deveria estar e...

— Seu futuro só vai acontecer se você estiver vivo. — falei, em tom assombroso.

— Deve ser só uma virose. — ele disse, e logo em seguida tornou a tossir como um cão de rua, e suas mãos, que usou para cobrir a boca, logo se mancharam de sangue novamente.

— Você tem uma semana, Eifler. Se não contar ao Marcos, eu conto.

Onde Há FumaçaOnde histórias criam vida. Descubra agora