08.2 | ou ❝você flertou primeiro❞

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Dolores ficaria decepcionada comigo. Eu devia ter usado a estratégia de não-lembro-seu-nome, que ela me ensinou na oitava série. Era infalível para garotos que se acham o máximo. Minha melhor amiga era a prova viva disso. Foi assim que ela conquistou João, que se achava a última bolacha do pacote.

— São cinco reais para a visita. — tratei de me recompor. Respire. — Posso ajudar em mais alguma coisa?

— Você definitivamente pode. — ele sorriu, travesso, enfiando as mãos nos bolsos. Achei que fosse para encontrar dinheiro para pagar a entrada, mas Natan só me encarou. — Tem que eu preciso saber.

Eu esperei que ele continuasse, sem saber como reagir.

— Por que você sempre parece estar tão brava?

— São cinco reais para a visita. — eu revirei os olhos, resistindo ao ímpeto de conferir ao meu redor, para ver se Lucas estava por perto.

Aquela conversa com Natan parecia um flerte.

— Não vai responder à minha pergunta?

— Eu não estou brava. — devolvi, dessa vez usando outra tática que Dolores me ensinou, a de se-fazer-de-forte-mesmo-tremendo-perna-abaixo — Ainda.

Foi eficaz, porque Natan mudou sua expressão de confiança para uma de derrota.

Agradeci mentalmente a Dolores Viana.

— Você me assusta. — confessou ele, desorientado.

— É mútuo.

— É adorável. — Natan se recuperou, erguendo as sobrancelhas sugestivamente na minha direção, e voltando a sorrir.

Meu rosto devia estar adquirindo um nada elegante tom de roxo.

Ele era incansável.

— Cinco reais. — insisti.

— Eu sou um idiota. — ele disse enquanto buscava no bolso do paletó uma nota recém impressa de cinco reais — Voei de São Paulo até aqui, estou matando aula sem meus pais saberem, e aqui estou, fingindo interesse nessa exposição precária só pra ficar mais tempo olhando para você. E tudo o que você quer de mim são cinco reais.

Natan abriu um sorriso quando me viu corar.

Ele era bom nisso. Sabia que sua cantada tinha funcionado, porque eu estava abrindo e fechando a boca, pensando no que dizer, sem conseguir encontrar uma resposta à altura. Natan Avelar tinha derrubado a minha guarda.

Oh, Natan, pare de flertar comigo. — debochou ele, fazendo uma imitação perfeita da irritação em minha voz. — Me dê os cinco reais.

Soltei uma risada genuína, piscando os olhos pateticamente.

Era isso que eu chamava de flertar?

— Pare de piscar esses olhos bonitos para mim, Valéria. Eu vou achar que tenho uma chance.

— Você flertou primeiro. — eu devolvi, recuperando a postura — Só estou devolvendo a cortesia.

Senti seu olhar como se fosse um toque. Meus dedos estavam formigando. Um calor se espalhava pelo meu corpo, célula por célula.

Não estava acostumada com garotos tão... assim.

— Nate. — uma voz aguda quebrou o nosso concurso de quem pisca primeiro — Duas visitas na mesma semana. A que devemos a desonra?

Lorena estava de braços cruzados sobre seu uniforme, nos olhando em reprimenda. Seu cabelo loiro brilhava como se ela tivesse um holofote sobre a própria cabeça. Minha situação potencialmente romântica com Natan Avelar se dissipou rapidamente em sua presença. Natan se afastou, colocando as mãos para cima como se tivesse sido parado pela polícia.

Eu nunca seria tão poderosa quanto ela. Natan parecia um animal acuado em sua presença.

— Lola. — Natan reconheceu sua presença, tratando de esconder de Lorena toda a coisa do flerte comigo. Ela saberia arruinar o que quer que estivesse se passando entre nós.

— Fique longe dessa garota, Natan. — Lorena ordenou.

— Me obrigue.

Lorena apontou um dedo na direção da grava de Natan. Se olhares pudessem matar, eu não gostaria de estar no lugar dele.

— Valéria é minha amiga. Eu gosto dela.

— Eu também gosto. — Natan falou, e mais uma onda de calor me atingiu no rosto. Ele me olhou de relance, reconhecendo que não era páreo para Lorena em seu modo de proteção. — Vou embora antes que ela comece a babar. Foi bom te ver, Valéria.

Ele deu uma piscadinha, e saiu, sem entrar na exposição pela qual pagou. Natan não olhou para trás.

Eu não tive nem um segundo para processar o que tinha acontecido.

— Então, estive pensando: aquele vestido com as ombreiras da grife da sua mãe, e o sapato vermelho, ou o vestido preto com o sapato prateado? — disparou ela, me mostrando algumas fotos de si mesma no seu celular de última geração, vestindo muitas de suas infinitas roupas — Tem esses aqui também, mas eu já usei em festas antes.

— Você fica bonita em todos eles. — comentei, no modo automático.

— Eu sei. — concordou ela, como se não tivesse ouvido meu desinteresse em roupas naquele momento. — Eu gosto mais do vermelho. Mas o preto é mais poderoso.

— Por que você não só veste seus jeans e vai assim mesmo?

— Porque eu não sou louca. — Lola pareceu ofendida por eu pensar que ela sequer possuía um par de jeans. Ao dar uma olhada no meu rosto, ela disse, como quem sabe das coisas: — Você está com aquela cara.

— Que cara?

— A cara que você faz quando o Natan está perto.

— Natan não está aqui. — me defendi, gaguejando.

Ela ergueu as sobrancelhas para mim. Eu não a enganava nem por um segundo.

— Ele estará lá, sabe. Na festa. — ela falou, sugestivamente — Aparentemente, você se recusa a ouvir meus conselhos sobre a galinhagem dele e está fazendo essa cara de eu-te-devoraria-aqui-mesmo-se-pudesse. E ele disse que gosta de você. — ela repousou o indicador do queixo, pensativa — Ou seja, você não pode aparecer na festa usando a mesma camiseta rasgada que você usa todos os dias.

Minha camisa do Black Sabbath não é rasgada. É propositalmente desfiada.

— Eu não estou interessada. — menti.

— Sim, você está. Totalmente caidinha por aquele papo furado que ele usa com todas as garotas. — ela colocou a língua para fora em uma careta — Já que você não vai me escutar, pelo menos vou ganhar alguma coisa com isso. Vamos às compras.

Para minha sorte, Zaca passou por nós e me chamou para resolver um problema no projetor da seção A Origem da Vida, me salvando de toda aquela conversa sobre roupas, festas e Natan Avelar.

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