Parte 2: Negro 3 - O adestramento

1.6K 61 5
                                    

Ela havia gostado e queria de novo esta noite. Nas sombras da sala de estar, sua pálida nudez ficou estriada pelos reflexos de luz da cidade que se insinuavam pela janela. Parecia uma tigresa. Retirando os acessórios da sacola, esmerou-se nos ajustes. Gradualmente se metamorfoseou numa potranca de pernas longilíneas e botas de plataforma com o bico fendido em casco. Os arreios no peito nu emolduravam seus seios compactos e, no mamilo esquerdo, uma minúscula argola prateada cintilava. Os quadris e as nádegas firmes eram ressaltados pelo fio-dental negro, do qual pendia uma cauda escura de fios acetinados.

Ela ajeitou a pluma vermelha no alto da cabeça. Fez menção de enrolar a trança comprida em um coque, mas Marco imobilizou-lhe os pulsos com um gesto abrupto.

— Deixa o cabelo assim.

— Cuidado, que desse jeito você me machuca — queixou-se ela, baixando os braços e massageando os pulsos. A trança grossa desabou por suas costas como uma crina castanha.

Marco ignorou o protesto. Suas mãos grandes, entretanto, moveram-se com insuspeitada delicadeza quando lhe colocou a embocadura e as rédeas. Por último, cobriu o rosto dela com uma máscara negra que deixava à mostra apenas os olhos e os lábios rubros cingidos pelo freio.

Ele agora poderia fazer várias coisas. Roçar o corpo no dela. Acariciar-lhe o peito. Fustigar-lhe os flancos para estimular a circulação sanguínea, incendiando a carne, atiçando a mente. Até ela pedir mais… Antes havia sido quase uma brincadeira. Para que ela se acostumasse.

Dessa vez Marco optou pela disciplina.

Postou-se ao lado dela e tomou as rédeas, conduzindo-a em uma volta na sala. Ela avançou um passo e ele deslizou o chicote atrás de seus joelhos para que erguesse mais as pernas. Prosseguiram assim por alguns metros. Ela mantinha uma postura rígida enquanto tentava se equilibrar nas botas. Aos poucos relaxou e afinal retomou o andar que lhe era mais natural. Teve um sobressalto e se aprumou ao toque da chibata na parte posterior de seus joelhos. Mais uma volta. E outra. Ele instruiu que se concentrasse no ritmo da andadura. Tinha de ser elegante e fluido, sussurrou-lhe. O ângulo das pernas absolutamente preciso.

Quando ela afinal acertou o passo, a marcha tornou-se hipnótica. Perdeu a noção de si mesma e deixou-se guiar pelas mãos que seguravam as rédeas com total domínio. Não tinha mais vontade própria e sentia-se grata por transferir o peso daquela responsabilidade a ele. Não passava de um animal. Um belo animal, de porte majestoso, à mercê do Mestre. O açoite ora a recompensava com um afago, ora a corrigia com um beijo de fogo. Aprendia a ajoelhar com perfeição. E reerguer-se ainda mais graciosa.

Os móveis da sala foram recuando para os cantos, desvanecendo nas sombras. A penumbra gradualmente deu lugar à claridade quente do sol. Ela agora saía para o ar livre, a terra batida sob os cascos, a brisa no corpo e o sussurro das árvores eriçando suas orelhas. Com o olfato aguçado, captava o cheiro do homem que a comandava ali dentro do cercado. Era diferente do seu, um aroma cítrico mesclado a madeira e hera esmagada. Aspirou-o profundamente e foi como se, com isso, introjetasse uma parte do homem em seu corpo, criando um elo mais forte entre os dois. Ela era agora uma extensão dele, e ambos moviam-se em sincronia. De quando em quando, a mão firme alcançava seu corpo — dando-lhe uma palmada nos flancos ou nas nádegas, pinçando-lhe o mamilo no exato limiar do prazer.

Não soube determinar quanto tempo decorreu até o momento em que as rédeas se retesaram com suavidade. Ela imobilizou-se obedientemente e fitou Marco com ar interrogativo. Ele arqueou a sobrancelha, sua expressão severa, e foi o suficiente para fazê-la estremecer com a expectativa. Ela foi invadida por um súbito calor que se irradiou entre suas coxas. Seu âmago palpitava, umedecia-se lentamente. E agora?

Como se adivinhasse a pergunta, ele acompanhou o desenho de seus lábios com a ponta do dedo e afrouxou o freio. Levou a língua à sua boca em um beijo macio e breve. Logo a seguir, ela sentiu a textura áspera de um torrão de açúcar onde antes a língua dele estivera. Mal percebeu que o pequeno cubo branco se dissolvia em sua boca, pois Marco agora lhe afagava as coxas com o cabo do chicote. Ela crispou as mãos com um arrepio.

O cabo cilíndrico aprofundou-se no vale entre suas coxas, o que a forçou a afastar as pernas ligeiramente. O cabo foi então substituído pela extremidade maleável do chicote — aquela usada para impingir dor. As finas tiras de couro resvalaram-lhe a pele em trajetos imprevisíveis, rodeando-lhe o ventre e as nádegas, insistindo na curva dos seios, repuxando levemente a argola de prata. Ofegante, ela cerrou as pálpebras e, sem perceber, trincou o torrão de açúcar entre os dentes. Um fio de perspiração brotou-lhe na fronte. Todo o seu corpo, todo o seu ser pulsava com a promessa da próxima carícia.

Por um interminável momento, nada aconteceu. Ela descerrou as pálpebras para se deparar com o olhar fixo de Marco. Ele havia recuado e brincava com as pontas do chicote, retorcendo-as entre os dedos. Seu rosto não revelava emoção, mas ela pressentiu nas íris escuras o vestígio de um sorriso.

Marco adiantou-se e reposicionou a embocadura contra os lábios dela. Soprou-lhe no ouvido:

— Agora vamos continuar.

Naquela noite, ela concluiu seu adestramento.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora