Parte 1: Branco 13 - Não haverá rosas

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Azul e negro o néon faiscava do outro lado da rua. Azul trêmulo, depois negro com o traço fantasmal das letras que compunham o nome do estabelecimento. De tempo em tempo, alguma letra se esvaía no lampejo azulado. Clube Kiss… Clube Kiss… C ube Kiss… Clube Kiss… Cl be K ss… Com o celular apertado na mão, Marisa fixava o luminoso, imóvel como uma estátua de cera. Ouviu Marco dar boa-noite à garçonete e, depressa, devolveu o aparelho à mesa. Dentro de instantes, ele saiu do bar com ar despreocupado de domingo: passos confiantes, braços soltos, meio sorriso — o macho alfa em noite de folga, conforme notou acidamente Marisa.

— Vamos indo? — Ele apanhou o celular e, diante do olhar insistente de Marisa, preocupou-se: — Tudo bem? Você está pálida.

— Não é nada.

— Tem certeza?

— Tenho. — Ela encolheu os ombros e levantou. Seu cérebro girava, girava, girava.

Marco passou o braço pelos ombros dela e foram passear na praça ali perto, onde um mercado de flores funcionava até tarde. Ele parou de andar de repente. Virou-se para Marisa, correu a mão em seus cabelos e contemplou-a em silêncio, pressentindo seu tumulto. Os olhos dele estavam sérios sob a capa espessa dos cílios, e quando se estreitavam assim adquiriam um formato amendoado, uma ruga quase invisível no canto enquanto outra mais funda surgia entre as sobrancelhas — um pequeno talho na serenidade da fronte. O maxilar dele primeiro enrijeceu, depois a boca se entreabriu para lhe dizer algo. Sem perceber Marisa prendeu a respiração, e esperou. As palavras não vieram.

Marco barrou a luz do lampião, banhando-lhe o rosto de sombra e seus lábios de beijos. Macios, breves. Até que enredou os dedos em seus cabelos e se demorou para explorar sua boca com uma intimidade que fez Marisa amolecer. O beijo sempre macio mas agora vagaroso em cada recanto, cada comissura, na ponta da língua e mais adentro. Ela mantinha as mãos relutantes nos ombros de Marco, ele apertava sua cintura e a trazia para mais perto. A brisa os envolveu na fragrância das flores, e pela janela de um apartamento escapuliu uma sonolenta canção dos anos cinquenta na voz de Ruth Brown: ela perguntava se devia entregar seu coração àquele homem… será que o amor dele era para valer? E o coro respondia: não sei, não sei… não sei, não sei…

Marisa desfez o abraço, fingindo interesse pelas rosas enquanto olhava de través para Marco. Por um momento admiraram os arranjos nas prateleiras de meia dúzia de bancas ao longo da calçada. Flores com todas as cores do dia, do ouro ao amanhecer até o sangue no crepúsculo. Flores azuis como as asas de um pássaro tingidas pela noite. Num impulso, ele apanhou um buquê de rosas vermelhas. Eram colombianas, maiores e mais perfumadas do que as rosas comuns. Sem espinhos.

— Você gosta, Mari?

— Muito bonitas.

— São para você.

Marisa hesitou e balançou a cabeça enquanto seu desconforto aumentava. Por que isso agora? Marco nunca havia lhe dado flores precisamente porque eram impossíveis de esconder. Talvez ele se sentisse culpado e quisesse aliviar a consciência. Talvez.

— Obrigada, mas minha mãe vai desconfiar se eu aparecer em casa com elas.

— Você pode deixá-las no meu apartamento. Vão ser sempre suas.

— Vão mesmo?

— Claro. — Ele deu um ligeiro sorriso e franziu o cenho.

— É melhor não.

— Por quê?

— Elas vão murchar, ora— Marisa replicou asperamente.

Estranhando o tom dela, Marco devolveu o buquê ao estande com um gesto de frustração. Sondou o rosto de Marisa e quis segurar-lhe a mão. Ela se desviou, rígida, incapaz de abafar os pensamentos.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora