Parte 1: Branco 15 - Fim de festa

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- Podemos conversar?

A voz de Marco era dura. Seu olhar, mercurial. Marisa assentiu mudamente enquanto Ariela retrocedia e o fitava com curiosidade. Marco puxou a comanda de baixo do copo de Marisa e sugeriu que fossem a um lugar mais tranquilo. Ainda sob a batucada do urso, pagou a conta e saiu do bar rebocando-a pela mão.

Mal a olhou quando ela subiu na Ducati estacionada do outro lado da avenida. Entregando-lhe o capacete, esperou que subisse na garupa e deu partida sem dizer palavra. Marisa sentiu o vento fresco no rosto e os músculos rígidos dele contra o corpo enquanto aceleravam pelas ruas vazias com uma sucessão de prédios e luzes intermitentes.

Ele pilotou mais rápido do que de costume e o trajeto foi breve. O silêncio de Marco a inquietava cada vez mais. Quando entraram no apartamento, ele foi direto à cozinha e voltou com duas garrafas de água mineral. Ofereceu-lhe uma e esvaziou metade da outra de uma só vez.

Marco então sentou no sofá com um dos tornozelos apoiado no joelho e o braço esticado no encosto. Encarou Marisa pela primeira vez desde que tinham saído do bar.

- Vai ficar de pé? Não quer sentar?

Cada palavra transpirava irritação. Marisa assentiu e instalou-se com toda dignidade na outra extremidade do sofá, repetindo para si mesma que era livre para fazer o que bem entendesse. Marco não tinha nada com isso. Se alguém ali devia alguma explicação, era ele. O cachorro.

Após uma pausa, Marco perguntou o que ela estava fazendo no bar. Marisa deu de ombros. Começou a discussão.

Não é da sua conta. Não posso fazer uma simples pergunta? Você não respondeu à minha pergunta, por que eu deveria responder à sua? Marisa, chega disso. O que você acha que as pessoas fazem num bar? Quem era aquela menina? Uma amiga. Desde quando você beija suas amigas na boca? Desde que fiquei livre e desimpedida.

Chegaram a uma encruzilhada. Naquele ponto, poderiam tomar o caminho das acusações mútuas, cavar trincheiras e desenterrar ressentimentos. Esse era um caminho largo. À medida que o trilhassem a distância entre os dois aumentaria, assim como a sua surdez. Até eles se perderem de vista por achar que ter razão era mais importante do que ter harmonia. E então cada um seguiria na margem oposta da estrada, agarrado à sua verdade. Verdade falha, incompleta, humana.

Marco e Marisa vacilaram e, em silêncio, trocaram um olhar. As iris dela ardiam com uma coloração de âmbar, como se uma chama latejasse atrás da retina. As dele estavam ainda mais escuras, rodeadas de um branco injetado.

- Eu não sou seu dono nem acredito em jaulas, Marisa - Marco disse com um suspiro. - Respeito as suas decisões. Você deve fazer o que achar melhor, mas com consciência, por um motivo legítimo. Não por raiva.

- Quem disse que o meu motivo não era legítimo? - Ela ergueu o queixo. - Você, que gosta tanto dos seus jogos, agora resolveu bancar o moralista, é?

- Isso não tem nada a ver com moral. Explorar a sexualidade não é problema desde que ninguém seja prejudicado. Você agiu sem pensar.

- Marco, pode esquecer o sermão. Eu não estou interessada.

Ele lançou um olhar oblíquo para o assoalho, tamborilando os dedos no encosto do sofá. Tornou a encará-la.

- Se você continuar atirando pedras, nós nunca vamos chegar a um acordo. É isso que você quer?

- Você não precisa se preocupar com sua reputação profissional - ela assegurou num tom calmo, desmentido por seus olhos. - Eu não vou reportar você à direção no colégio. Só quero esquecer o que aconteceu entre nós. Logo vou me formar e nunca mais vou precisar ver você...

VERMELHO: Uma História de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora