Salvação Mortal

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  Segundos se passaram. Os mais longos segundos da vida de Minho.
- Mértila! - Gritou ele dando um chute em seu agressor. - Kathy!
  A garota já se movia, agarrando os braços musculosos do jovem. Os dois lutando como podiam, com forças que já não tinham. Usando apenas a vontade de viver.
  Minho tentou dar outro chute, mas o Crank que o segurava recuou e puxou sua perna com ele. Desceu mais um pouco, sua outra perna quase foi capturada. Arfou, cansado, quase desistindo. Olhou para Kathy. Ela parecia desgastada, mas parecia mais indisposta a deixa-lo cair.
  Foi quando ele recebeu outro puxão. As unhas de Kathy cravando em sua pele, descendo dos bíceps até os cotovelos, formando linhas vermelhas. Gritou de dor. Mas não pelas unhas de Kathy, mas por sentir uma mordida na perna capturada e outras mãos agarrando sua perna livre.
- Que droga! - Ouviu Kathy dizer. A voz dela parecendo vir de um túnel longo. - Minho... Talvez você não goste disso... - Disse com certa irônia na voz - Mas...
  Ela soltou os braços dele. Minho se sentiu cair. A letargia do cansaço e da dor o fez ver tudo em câmera lenta.
- Kathy... - Sussurrou incrédulo. Para ele, sua voz pareceu distorcida. O sorriso da garota era inesperado e desesperador.
  Kathy havia desistido dele.
  Rápida, a garota agarrou-o pelo cinto, inclinada tanto que estava quase perdendo o equilíbrio. E já o puxava, antes mesmo de Minho perceber o que acontecia.
- Vou acabar caindo se demorar mais um pouco! - Disse Kathy com a voz sufocada. Conseguiu fazer a barriga de Minho passar da borda.
  Minho tentou se arrastar para cima. Ainda sentia a perna mordida, embora acreditasse que o agressor já o tinha deixado.
  Colocou uma perna para cima e rolou, até todo seu corpo estar em segurança. Kathy o soltou e andou para o mais longe possível. Suas pernas bambas pelo esforço contínuo.
Minho ficou de pé e andou até Kathy. Cambaleando e aos tropeços. Parou de frente com ela.
  Por um momento apenas se olharam. Os dois arfando, suados. A garota nunca desistiu dele.
- Kathy... - Foi a última coisa que Minho disse antes de cair sobre ela.
  As pernas de Kathy não resistindo. Ela também caiu. Quase foi esmagada sobre o peso dele.
  Minho se ergueu sobre os cotovelos. Sabia que era muito pesado e que a machucaria. Ainda assim, não fez menção nenhuma de que sairia de cima da jovem. Olhou para ela por um minuto. Tinha as bochechas vermelhas e molhadas pelo suor. Seus cabelos estavam espalhados no chão, ao redor de sua cabeça, formando ondas castanhas em todas as direções, bem como colados em seu delicado rosto. Os lábios entre-abertos, por onde ela respirava, assim como ele. E ela também o olhava.
  Kathy tossiu.
  Minho virou para o lado, ficando de barriga para cima, deitando sobre sua própria mochila, sentido as costas arderem, descobrindo novos arranhões. O peito subindo e descendo em buscar de ar.
- Obrigado... - Sua voz foi baixa.
- Fiz minha parte... - Respondeu ela em meio a um suspiro.
- Pirralhos! Desçam aqui!! - Gritavam os Cranks - Malditos privilegiados!
- Calem a boca! - Minho conseguiu gritar.
- Eles não vão embora daqui... Não tão cedo... - Kathy tossia.
- Então vamos mesmo esperar que eles nos devorem? - Indagou Minho revirando os olhos.
- Não seja ridículo - Replicou ela - Eu tenho um plano. Mas não vamos fazer nada nesse sol... - Outra vez tossiu. - E estou exausta... Só quero dormir...
  Minho tentou olhar para baixo. Kathy, antes mesmo dele se mexer, segurou seu braço. Estava deitada como ele ao seu lado. Ela já respirava mais calmamente.
- Não olhe para lá. Só vai atiça-los mais... - Recomendou ela. - Parece que mais deles estão chegando...
  Um olhar rápido para a entrada, e Minho identificou mais três Cranks. Suspirou. Tudo em si doía. E o ar quente e abafado combinado com os gritos dos loucos abaixo deles não ajudava em nada.
- Kathy? - Sussurrou baixinho.
  Ouviu a respiração da menina calma e regular. Dobrou a cabeça para o lado e deu de cara com a garota dormindo. Quase não acreditou.
  Soltou um pequeno sorriso vendo aquilo. Achou estranho e bizarro, mas entendia que ela estava mais do que exausta.
  Antes de se encontrarem, por quanto tempo ela já havia corrido? A quantos anos ela vinha fugindo? Desde quando ela vivia em meio ao deserto cheio de loucos que queriam matá-la a cada passo?
  Talvez nunca tivesse resposta para aquelas perguntas. Sabia que ela tinha o Fulgor, e sabia que ela ficaria louca como todos os outros. Afinal, se estava no deserto, ela havia sido mandada para morrer. Tanto quanto ele.
  Esperava passar pelas provas, encontrar o Refúgio Seguro, com seus amigos. Mas agora tinham se separado. E havia essa garota... Se o CRUEL era capaz de dar uma Cura para ele e os outros, ele daria para ela? Poderia fazer isso?
  Mas isso importava? Havia motivo para ele querer salva-la?
  Olhou para ela. Tinha a pele branca, queimada do sol escaldante do deserto. Usava jeans e botas. Uma camisa que um dia fora branca. Ela era inteligente. E bonita.
Havia se arriscado para salvar ele.
Deu um suspiro e se voltou para o teto. Resolveu que encontraria os amigos, era sua prioridade.
  E resolveu que não a deixaria para trás.
  Kathy deu um suspiro e se mexeu. Minho olhou para ela. Agora ela se encontrava de costas para ele, deitada de lado. Por um momento, Minho se esqueceu o que estava decidindo e ficou olhando para as curvas da garota. Sussurrou um "Uau" abafado. E então piscou, e se virou rapidamente para o outro lado. Não queria correr o risco da jovem acordar e dar de cara com ele a fitando.
  Tinha um sorriso bobo no rosto. Podia ser idiota, mas não deixou de pensar na sorte de se perder com uma garota. Principalmente depois de dois anos preso em um labirinto cheio de garotos.
  Voltou a pensar nos amigos.
  Que belo Líder ele era!
  Com a palavra "Líder" ele lembrou das placas que haviam por todo o lugar. Por sorte elas indicavam outra pessoa para a liderança.
  Ouvindo os gritos dos loucos abaixo deles, Minho sentiu o mundo lento. Sentindo as dores nos braços, costas e perna, resolveu que era hora de arranjar um descanso. Os gritos passaram a ser apenas ecos baixos, até sumirem de vez.
  A última coisa que pensou, foi que as placas eram perfeitamente corretas. Thomas era o verdadeiro Líder, não ele. Minho odiava essa história de Líder. Não queria aquilo, nunca quis.
  E então, sem que percebesse, adormeceu.

EM REVISÃO • Deserto MortalWhere stories live. Discover now