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Os dias logo passaram e eu já estava mais enturmada, tanto no trabalho quanto na cidade. Já conhecia uma farmácia e uma cafeteria além daquele supermercado da esquina. Estava me sentindo uma completa cidadã italiana. E da Basílica, não tinha visto nem a cúpula. No final de semana estava me sentindo um pouco cansada pela troca de fuso horário e adaptações, então preferi descansar a sair de casa para passear, teria muito tempo para isso logo que estivesse realmente adaptada.

Meu curso duraria um mês e meio e aconteceria uma vez por semana às terças após o trabalho. Chegar na faculdade para a primeira aula foi um verdadeiro caos. Saí tarde do escritório pois precisava terminar um relatório, estava chovendo e tive que pegar o ônibus lotado por causa da hora do rush. Passei pela recepção como um furacão descabelado e molhado, perguntando a sala e saí sem ouvir o que a recepcionista tinha para dizer. Com toda a educação que me faltava, ao invés de esperar a primeira aula acabar, bati na porta e entrei sem aguardar uma resposta. O professor parou de falar e eu senti todos os olhos da sala mirarem meu estado deplorável. Se eu tivesse um buraco no chão, com certeza teria enfiado minha cabeça igual a um avestruz. Por que não usei a educação que minha mãe me deu e esperei a maldita aula acabar? Será que era isso que a recepcionista tinha para me dizer? Eu tinha mesmo que entrar e atrapalhar a aula do cara? Eu não deveria ter saído da cama hoje.

Senti que ia levar um esporro fenomenal e nunca mais teria coragem de botar o pé naquela sala, ou olhar na cara daquelas pessoas, por isso abri o meu melhor sorriso e olhei pela primeira vez para o professor. AI MEU DEUS. Ele tinha os olhos mais lindos que eu já havia visto na minha vida. Meio azulados por trás dos óculos de armação escura. Contrariando as expectativas, ao invés de me colocar para fora da sala, ele abriu um sorriso e continuou a aula, como se nada tivesse acontecido. "Respira, Lili...." Se os olhos dele me fizeram parar de respirar, o sorriso me congelara de vez. Com as pernas meio bambas e sentindo-me desnorteada, com a voz dele soando ao fundo sobre algo que meu cérebro temporariamente paralisado não fazia ideia, caminhei até a carteira e sentei, tentando não fazer barulho para não chamar mais atenção. Apertei as pontas do meu cabelo para tirar o excesso de água da chuva acumulada e fiquei com o olhar fixo em um ponto qualquer da mesa a minha frente praticamente até o final da aula, e só conseguia pensar na sensação estranha que percorreu meu corpo quando olhei para ele.

A semana, passei correndo de um lado para o outro, tentando cumprir todas as minhas metas no trabalho e manter a casa arrumada, ao mesmo tempo que enfrentava uma batalha contra minha própria mente que simplesmente não conseguia parar de pensar no professor. Peter. O nome do ser que não me deixava em paz desde o minuto em que eu entrara desastrosamente na classe. Não, não fisicamente, o cara nem devia saber que eu existia, exceto pela cena patética da minha falta de educação, ele nem devia saber que dava aula para mim. Ele não me deixava em paz pela imaginação mesmo. Minha imaginação extremamente fértil. Me imaginava saindo com ele, sendo amiga dele e pensava seriamente se ele não seria o cara ideal. Mas o que é que eu estou pensando? Que absurdo. Eu nem sequer o conheço!! Ele poderia muito bem ser um maníaco, assassino ou fedorento e chato. As únicas coisas que eu sabia sobre ele eram que ele dava aula sobre escritores muito maneiros, parecia ter mais ou menos a minha idade e seu nome: Peter Alden, professor de literatura juvenil. Ah, e ele era inglês, percebi pelo sotaque. Isso precisava contar como ponto positivo, não? Como poderia fantasiar qualquer coisa com alguém que não conhecia? Mas será que era um cara legal? Não teria coragem de chegar perto dele, nem de abrir a boca nas suas aulas pois ainda sentia vergonha pela maneira como tinha entrado na sala de aula.

Cheguei ao ponto de ônibus próximo à empresa para voltar para casa no final do expediente, sem saber como, pois percorrera todo o caminho com a cabeça no mundo da lua. Por isso quando vi Peter cruzando a rua, com uma camiseta meio desgastada do filme Karatê Kid, uma bermuda cargo preta e uma bolsa transpassada tipo carteiro, achei que estava tendo alucinações por ter pensado demais nele. Vi o sorriso meio tímido com que estava sonhando todos os dias naquela última semana se abrir e podia jurar que era para mim, afinal era uma miragem e só eu podia ver, certo? Meu ônibus estava no ponto e eu precisava correr. Tropecei no cadarço do meu tênis quebrando o contato e se não me apoiasse na moça da frente teria ido direto para o chão. Pedi desculpas e entrei no ônibus, olhando para trás e vendo Peter continuar seu caminho em direção à uma loja próxima. Eu sou muito idiota. Era ele mesmo e eu ainda tropecei porque estava olhando para ele. Jura? Será que essas coisas só acontecem comigo? Havia maneira de ser mais patética? Porque eu definitivamente estava me esforçando.

Sorte Irlandesa [LEIA OS 3 PRIMEIROS CAPÍTULOS AGORA]Where stories live. Discover now