Falta de Condescendência

1.5K 40 2
                                    

  Fabrício acaba de cometer um grave erro e que para ele será de más conseqüências.Quem pede e quer ser servido, deve medir bem o tempo, o lugar e as circunstâncias, eFabrício não soube conhecer que o tempo, o lugar e as circunstâncias lhe eramcompletamente desfavoráveis. Vai exigir que Augusto o ajude a forjar cruel cilada contrauma jovem de dezessete anos, cujo único delito é ter sabido amar o ingrato com exageradoextremo. Ora, para conseguir semelhante torpeza, preciso seria que Fabrício aproveitasseum momento de loucura, um desses instantes de capricho e de delírio em que Augustopensasse que ferir a fibra mais sensível e vibrante do coração da mulher, a fibra do amor,não é um crime, não é pelo menos louca e repreensível leviandade; é apenas perdoável e 16interessante divertimento de rapazes; e nessa hora não podia Augusto raciocinar tãoindignamente. Ainda quando não houvesse nele muita generosidade, estava para desarmá-loo poder indizível da inocência, o poderoso magnetismo de vinte olhos belos como o planetado dia, a influência cativadora da formosura em botão, de beleza virgem ainda, de umaanjo, enfim, porque é símbolo de um anjo a virgindade de uma jovem bela. Mas Fabrício olvidou tudo, e mal, sem dúvida, terá de sair de seu empenho comtantas contrariedades; o tempo não lhe é propício, porque Augusto começa a sentir todos ossintomas de apetite devorador. Ora, um rapaz, e principalmente um estudante com fome, seaborrece de tudo, principalmente do que lhe cheira a maçada. O lugar não menos lhe eradesfavorável, porque, diante de um ranchinho de belas moças, quem poderá tramar contra osossego delas?... Então Augusto, dos tais que por semelhante povo são como formiga poraçúcar, macaco por banana, criança por campainha... e ele tem razão! Por último, ascircunstâncias também contrariavam Fabrício, pois a Sra. D. Violante havia tido o poder deesgotar toda a elástica paciência do pobre estudante, que não acharia nem mais uma só dosehomeopática desse tão necessário confortativo para despender com o novo macista. Fabrício tomou, pois, o braço de Augusto e ambos saíram da sala: este com vivossinais de impaciência, e o primeiro com ares de quem ia tratar importante negócio. A inocente D. Joaninha os acompanhou com os olhos e riu-se brandamente,encontrando os de Fabrício, que teve ainda bastante audácia para fingir um sorriso degratidão. Eles se dirigiram ao gabinete do lado direito da sala, o qual fora destinado para oshomens; e entrando, fechou Fabrício a porta sobre si, para se achar em toda a liberdade.Enfim, estavam sós. Voltados um para o outro, guardaram alguns momentos de silêncio.Foi Augusto quem teve de rompê-lo. - Então, ficamos a jogar o siso? - Espero a tua resposta, disse Fabrício. - Ainda me não perguntaste nada, respondeu o outro. - A minha carta?... - Eu a li, sim... tive a paciência de lê-la toda. - E então?... - Então o quê, homem?... - A resposta?... - Aquilo não tem resposta.- Ora, deixa-te disso; vamos mangar com a moça.- Tu estás doido, Fabrício?- Por tua culpa, Augusto.- Pois então cuidas que o amor de uma senhora deve ser peteca com que se divirtamdois estudantes?...- Quem é que te fala em peteca?... Pelo contrário, o que eu quero é desgrudar-me dofatal contrabando.- Não; a pesar teu, deves respeitar e cultivar nobre sentimento que te liga a D.Joaninha. Que se diria do teu procedimento, se depois de trazeres uma moça toda cheia deamor e fé na tua constância, por espaço de três meses, a desprezasses sem a menoraparência de razão, sem a mais pequena desculpa?...- Então tu, com o teu sistema de...- Eu desengano: previno a todas que minhas paixões têm apenas horas de vida, e tu,como os outros, juras amor eterno. 17- Estou desconhecendo-te, Augusto. Sempre te achei com juízo e bom conceito eagora temo muito que estejas com princípios de alienação mental. Explica-me, por quem és,que súbito acesso de moralidade é esse que tanto te perturba.- Isso, Fabrício, chama-se inspiração de bons costumes.- Bravo! bravo! foi muito bem respondido, mas, palavra de honra, que tenho dó teti! Vejo que em matéria da natureza de que tratamos estás tão atrasado como eu em fazersonetos. Apesar de todo o teu romantismo ou, talvez, principalmente por causa dele, nãovês o que se passa a duas polegadas do nariz. Pois meu amigo, quero te dizer: a teoria doamor do nosso tempo aplaude e aconselha o meu procedimento; tu verás que eu estou naregra, porque as moças têm ultimamente tomado por mote de todos os seus apaixonadosextremos ternos afetos e gratos requebros, estes três infinitos de verbos: - iscar, pescar ecasar. Ora, bem vês que, para contrabalançar tão parlamentares e viciosas disposições, nós,os rapazes, não podíamos deixar de inscrever por divisa em nossos escudos os infinitosdestes três outros verbos: fingir, rir e fugir. Portanto, segue-se que estou encadernado nosaxiomas da ciência.- Com efeito!... Não te supunha tão adiantado!- Pois que dúvida? Para viver-se vida boa e livre é preciso andar com o olho abertoe pé ligeiro. Então as tais sujeitinhas que, com a facilidade e indústria com que a aranhaprende a mosca na teia, são capazes de tecer de repente, com os olhares, sorrisos,palavrinhas doces, suspiros a tempo, medeixes aproximando-se, zelos afetados e arrufoscom sal e pimenta, uma armadilha tão emaranhada que, se o papagaio é tolo e não voa logo,mete por força o pé no laço e adeus minhas encomendas, fica de gaiola para todo o resto deseus dias... E, portanto, meu Augusto, deixa-te de insípidos escrúpulos e ajuda-me a sairdos apuros em que me vejo.- Torno a dizer-te que estás doido, Fabrício, pois que me acreditas capaz de servir deinstrumento para um enredo... uma verdadeira traição. Então, que pensas?... Eu reqüestariaD. Joaninha, não é assim?... Tu a deixavas, fingindo ciúmes, e depois quem me livraria dosapertos em que necessariamente tinha de ficar?...- Ora, isso não te custava cinco minutos de trabalho. Tu... inconstante por índole epor sistema.- Fabrício, deixa-te de asneiras; já que te meteste nisso, avante! Além de que, D.Joaninha é um peixão.- Oh! oh! oh!... uma desenxabida...- Que blasfêmia!- Além disso é impossível... não posso suportar o peso: escrever quatro cartas porsemana... Isto só! o talento que é preciso para inventar asneiras e mentiras dezesseis vezespor mês! e depois, o Tobias...- Puxa-lhe as orelhas.- Como?... se ele é a cria de D. Joaninha, o alfenim da casa, o S. Benedito dafamília!...- Não sei, meu amigo, arranja-te como puderes.- Lembra-te que foste a causa principal de tudo isso.- Quem, eu?... eu apenas te disse que não sabias o gosto que tinha o amor àmoderna.- Pois bem, saí do meu elemento, fui experimentar a paixão romântica... aí a tens!...a tal paixãozinha me esgotou já paciência, juízo e dinheiro. Não a quero mais.- Tu sempre foste um papa-empadas. 18- Sim, e há dois meses que não sei o que é o cheiro delas. Anda, meu Augustozinho,ajuda-me!- Não posso e não devo.- Vê lá o que dizes!- Tenho dito.- Augusto!- Agora digo mais que não quero.- Olha que te hás de arrepender!- Esta é melhor!... pretendes meter-me medo?...- Eu sou capaz de vingar-me.- Desafio-te a isso.- Desacredito-te na opinião das moças.- É um meio de tornar-me objeto de suas atenções. Peço-te que o faças.- Descubro e analiso o teu sistema de iludir a todas.- Tornar-me-ás interessante a seus olhos.- Direi que és um bandoleiro.- Melhor, elas farão por tornar-me constante.- Mostrarei que a tua moral a respeito de amor é a pior possível.- Ótimo!... elas se esforçarão por fazê-la boa.- Hei de, nestes dois dias, atrapalhar-te continuamente.- Bravo!... não contava divertir-me tanto!- Então tu teimas no teu propósito?...- Pois, se é precisamente agora que estou vendo os bons resultados que ele mepromete!- Portanto, estes dois dias, guerra!- Bravíssimo, meu Fabrício; guerra!- Antecipo-te que meu primeiro ataque terá lugar durante o jantar.- Oh! por milhares de razões, tomara eu que chegasse a hora dele!...- Augusto, até o jantar!- Fabrício, até o jantar!Neste momento Filipe abriu a porta do gabinete e, dirigindo-se aos dois, disse:- Vamos jantar.   

A moreninhaWhere stories live. Discover now